7 de ago. de 2014

Humor em todos os canais: A Tv Na Tv



Por Lucas Ebbesen




Quem com ferro fere... Para um bom entendedor... Cada macaco no seu galho. Mais vale um pássaro... Casa de ferrero, espeto de pau. Quem não tem cão...


Imagine um livro que não conclui todas as suas frases no primeiro capítulo, deixando a finalização de muitas delas para outros capítulos, aleatoriamente. Seria isso uma representação através da escrita muita próxima do ato de zapear pelos canais de televisão. Quando pegamos o controle remoto e trocamos de canal, insistentemente, capturamos uma pequena imagem de cada canal pelo qual passamos, dependendo do tempo em que ficamos parados em cada um. 



Agora imagine um programa de televisão que retrata exatamente esse comportamento do telespectador. Esse é o mote de Tá no Ar: a TV na TV, humorístico da TV Globo, dirigido por Maurício Farias (diretor de A Grande Família), cuja primeira temporada foi encerrada no dia 05 de junho. À frente da atração, na redação final e na atuação, dois humoristas de sucesso da nova geração da comédia brasileira: Marcius Melhem e Marcelo Adnet. O primeiro, conhecido por seu trabalho ao lado de Leandro Hassum em Os Caras de Pau; o segundo, ex-VJ da MTV Brasil, reconhecido por seu humor escrachado em programas realizados na antiga emissora. 

Da união de ambos a mais oito atores, Tá no Ar se ocupou da terceira linha de shows da TV Globo, em programas semanais, exibidos às quintas-feiras. Sua transmissão iniciada por volta da meia-noite já deixava o humorístico em desvantagem, devido ao horário de exibição. Apesar dos impeditivos da grade de programação da emissora, o programa de Adnet e companhia elevou a audiência do horário em dois pontos do Ibope, no Rio de Janeiro. Em São Paulo, os números se mantiveram os mesmos de antes do início do programa na praça.

Apesar dos dados, as métricas não fizeram jus à qualidade do programa. A começar pelo zapear de um telespectador que não se via, mas que frequentemente mudava de canal. A prova disso era uma barra azul, muito semelhante à da operadora de canal a cabo NET, que ilustrava o pula-pula de emissoras. Mesmo não aparecendo em todos os momentos, o complemento visual denunciava um telespectador impaciente, à procura de um canal qualquer que o distraísse. Era como se outra pessoa tivesse o poder de escolher a programação por você.

Ao longo de nove episódios, a primeira temporada de Tá no Ar apresentou sátiras de vários tipos de comerciais e programas de televisão, incluídas aí muitas realizações da própria emissora. Um dos destaques do humorístico foi a regravação da tradicional vinheta de final de ano da TV Globo. Com um formato muito semelhante ao original, os roteiristas adaptaram os versos da música e modificaram apenas o desenrolar dos takes da vinheta anual: Se essa testa é sua / Se essa orelha é nossa / Não sei de quem é / De quem quiser / Vou dar um abraço / Na Regina Duarte / Para aparecer / Vão me esconder. Outra paródia que merece ser citada é a do seriado House, cujo título foi adaptado para Doutor SUS. Seus diagnósticos, diferentemente do famoso personagem interpretado por Hugh Laurie no seriado, eram sempre os mesmos: “É virose!”, dizia o médico interpretado por Marcius Melhem.

No ramo da publicidade, propagandas de grandes marcas, como a da comerciante de carnes Friboi, também foram parodiadas. A campanha, estrelada por Roberto Carlos na vida real, transformou o nome da marca e adaptou o tradicional slogan da empresa: “Peça Freebofe porque carne de bofe tem nome e telefone”. Além dela, outras instituições privadas também foram alvo dos roteiristas do programa, como a rede de postos de combustíveis Ipiranga e a marca de chinelos Havaianas.

O programa apresentou ainda piadas com as chamadas de interrupção da programação, geralmente veiculadas antes da exibição de horários políticos, e também com os anúncios de recomendação de faixa de etária que antecedem o início de cada programa televisivo. Mas a melhor sacada do humorístico foi a do programa Jardim Urgente. Em paródia aos jornalísticos policialescos Brasil Urgente, da TV Bandeirantes, e Cidade Alerta, da TV Record, a atração mostrou casos de supostas ilegalidades no dia a dia de crianças em escolas e pracinhas fictícias. Mantendo a estrutura sensacionalista de apresentação, o âncora do Jardim Urgente, interpretado pelo ator Welder Rodrigues, se revoltava com os pequenos infratores que roubavam bonecas e quebravam vidros. Como punição para os “vândalos”, ele sugeria o “cantinho do pensamento” e “umas boas palmadas”. Além disso, o apresentador usava o bordão “foca em mim”, quando então uma foca de pelúcia era atirada contra ele.

Tá no Ar mostrou fortes qualidades ao longo de sua exibição. A começar por todos os seus ficcionais programas, apresentados de maneira muito semelhante às atrações parodiadas. Desde a estrutura de programação até a composição visual e roteirística daquilo que é veiculado pela televisão brasileira. Em um roteiro elaborado a dez mãos, Tá no Ar recordou outro conhecido humorístico da emissora: TV Pirata, exibido entre 1988 e 1990. Com uma proposta parecida a essa, o programa conquistou o público no final dos anos 1980 ao parodiar a televisão e a sociedade brasileira de uma forma geral. Sob a direção de Guel Arraes, TV Pirata se construiu em cima da programação televisiva, tendo inclusive novelas em suas piadas. Exibida entre 1986 e 1987, a novela Roda de Fogo foi transformada em Fogo no Rabo dentro do humorístico. Com Regina Casé, Luiz Fernando Guimarães, Débora Bloch e outros atores ainda pouco conhecidos do público, a TV Pirata mostrou um gênero de humor até então inédita na TV brasileira, baseado em formatos estrangeiros como Monty Python e Saturday Night Live. Sua distinção era a exibição periódica dos programas parodiados como a novela As Presidiárias, estrelada por Claudia Raia, Cristina Pereira e Débora Bloch, uma “campeã de audiência e de pulgas”. Além disso, seus quadros tinham uma duração maior em relação aos de Tá no Ar, revelando uma adaptação ao tempo mais veloz e dinâmico atual.

Por fim, o programa de Marcelo Adnet e Marcius Melhem traz um personagem novo, muito diferente dos apresentados pela TV Globo até então: um militante nordestino revoltado com as piadas exibidas pelo programa, interpretado pelo próprio Adnet. Ao longo da atração, sua aparição ocorre de duas a três vezes, sempre em uma imagem chuviscada, em tons de sépia, em que o personagem aparece revoltado com a “Rede Globo de Televisão e suas pretensões para com a população brasileira”. Adnet, assim, faz o papel de um crítico da emissora dentro do próprio programa, mesmo que em tom de ironia e deboche. Seus comentários em relação aos quadros exibidos preenchem o humor escrachado feito pelo programa e ressaltam, também, a ousadia de seus roteiristas. 

Tá no Ar representa para Adnet, pela primeira vez na TV Globo, uma volta ao estilo humorístico que fez com que o ator ganhasse fama através dos programas comandados na extinta MTV – após fracassos como O Dentista Mascarado e um quadro que parodiava clipes clássicos exibido pelo semanário Fantástico. Mais do que isso, Tá no Ar é a presença de um tipo de humor sensível e difícil de ser executado, mas único na TV brasileira que havia sumido da emissora carioca desde a extinção do humorístico Casseta e Planeta Urgente. A segunda temporada, já garantida pela TV Globo, é a prova inicial de um acerto da emissora, mas que peca pela exibição tardia de um humorístico tão primoroso.

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