16 de jul. de 2012

A volta do Araújo

Por Sarita Reed


Importante centro de manifestações artísticas e políticas de Porto Alegre, o Auditório Araújo Vianna está prestes a ser devolvido para a cidade. Após permanecer sete anos fechado, as reformas do espaço cultural se encaminham para o fim, e a previsão é de que ele seja reinaugurado no início do segundo semestre de 2012.

Projeto do novo Araújo Viana / Foto: Simon Engenharia
Vencedora do edital de licitação da Parceria Público-Privada (PPP) feita em 2007 pela prefeitura, a Opus Promoções ficou responsável pela reforma interna e externa do Araújo, como é mais popularmente conhecido pelos porto-alegrenses. Em troca, a empresa terá um prazo de 10 anos para explorar comercialmente o local. A Opus poderá agendar o Araújo Vianna durante esse período em 75% das datas anuais, sendo que, no restante dos dias, ele poderá ser utilizado pela Prefeitura. De acordo com Carlos Caramez, coordenador geral do processo de reforma pela Opus, o custo total das obras ficará em torno de 18 milhões de reais. Há 36 anos no mercado, a empresa gaúcha se destaca no cenário cultural do estado pelos mais de quatro mil espetáculos produzidos, operando em locais como os teatros São Pedro e Bourbon Country.

A expectativa dos moradores de Porto Alegre para a reabertura é grande. “Acho que ele vai voltar a ter um papel que a cidade merece e que o Auditório está à altura de representar”, diz o jornalista Ricardo Chaves, frequentador do Araújo desde a época em que ele se localizava na Praça da Matriz. A professora de artes aposentada, Rosa Maria, também aguarda ansiosamente a inauguração do Auditório, local onde, no passado, assistiu a shows de MPB como o de João Gilberto: “Eu quero de volta urgente esse espaço que nos foi tirado há muito tempo”.  Confira aqui outros depoimentos.
                                               
O que muda na estrutura

No lugar da antiga lona, agora reluz uma rija cobertura branca. Ela é feita de poliuretano expandido, na parte externa, e de madeira, no lado interno. Pesando 300 toneladas, o novo teto deverá impedir a ação climática dentro do Auditório e garantir uma boa acústica para o espaço. “Essa cobertura foi calculada para não permitir que nenhum som se propague para o exterior”, explica Moacyr Moojen Marques, autor do projeto arquitetônico do Araújo Vianna, junto com o já falecido arquiteto Carlos Fayet. No entanto, como alerta Moojen, não adianta haver esse cuidado com a cobertura se as paredes também não possuírem uma vedação acústica apropriada. Então foi preciso fazer um fechamento lateral delas, mas que ao mesmo tempo permitisse a localização de saídas de incêndio através de paredes móveis. “Fechada a cobertura e as laterais não tem ar, aí tem que fazer ar-condicionado para um volume daquele tamanho. É um processo muito complexo”, afirma.

Segundo Carlos Caramez, o novo auditório terá o palco ampliado para 270m². Banheiros, camarins e demais dependências também serão reformados, além da reurbanização do entorno do Araújo Vianna. “Será uma casa muito bem equipada, totalmente preparada para colocar Porto Alegre dentro de um circuito internacional de novos espaços e novas atrações culturais”.

A questão viária

O atual plano diretor da prefeitura exige que cada edificação possua um determinado número de vagas de automóveis por pessoa, relacionado com a capacidade do espaço, como explica o arquiteto Moojen. Calculado para o Araújo, esse número seria de em torno de 600 vagas. No entanto, essa legislação foi criada depois da construção do auditório. “Se naquela época houvesse essa exigência, ele nem teria sido construído lá, porque na Redenção não teria como colocar estacionamento”, esclarece. Como solução para o problema, estuda-se a possibilidade da construção de uma garagem subterrânea. O local da construção do estacionamento seria sob o campo de futebol do Parque Ramiro Souto, conforme a primeira diretriz do projeto arquitetônico do Araújo Vianna de causar o mínimo possível de intervenção visual ao parque. “No nosso entendimento, a garagem vai permitir que os carros não fiquem em volta ou dentro do parque, então achamos que poderia ser um benefício para ele”, diz Moojen. A obra também seria feita através de uma parceria público-privada. Em troca do investimento de 30 milhões da obra, a empresa vencedora da licitação teria o direito de explorar a garagem por 30 anos. As opiniões quanto à construção da garagem são controversas – principalmente pela questão do impacto ambiental que causaria a grande concentração de gás carbônico no espaço.
   
História

A primeira inauguração do auditório Araújo Vianna foi em 1927. Naquela época, ele se localizava na Praça da Matriz, no mesmo espaço onde hoje está o prédio da Assembléia Legislativa do Estado. No aprazível lugar, Ricardo Chaves, editor do Almanaque Gaúcho da Zero Hora, costumava passear e tirar fotos com a família na sua juventude.

Auditório Araújo Vianna na Praça da Matriz
Acervo do Museu Joaquim José Felizardo / Fototeca Sioma Breitman
O nome do Auditório foi dado em homenagem ao compositor gaúcho Araújo Vianna (1871-1916), que compôs óperas como Carmela e O Rei Galaor. “Ele foi um músico muito destacado na sua época e era um ativista cultural”, conta Rafael Guimarães, escritor e jornalista. Guimarães revela que possui uma relação afetiva com o compositor ícone da cultura gaúcha: sua tia-avó foi noiva de Araújo Vianna. Rafael Guimarães conta a história do casal Araújo Vianna e Olinta Braga aqui. (áudio: Carolina Timm)

O Auditório na Praça Matriz visto de cima
Acervo do Museu Joaquim José Felizardo / Fototeca Sioma Breitman

Após muitas retretas terem passado pelo palco da Praça da Matriz, o Auditório teve que ser realocado. A então Assembleia estava com as instalações defasadas e precisava de um prédio novo. Já que o terreno do Araújo Vianna era o único disponível na Praça, a Prefeitura o cedeu para o poder legislativo. Para ressarcir o Município da perda desse privilegiado terreno, a Assembleia iria arcar com os custos da construção do novo Auditório. Moacyr Moojen e Carlos Fayet, então arquitetos da Prefeitura, ficaram encarregados de fazer o projeto arquitetônico da nova sede do Araújo: “nós passamos a estudar desde a localização do novo auditório até a concepção dele”, relata Moojen no vídeo a seguir.




 
No dia 12 de março de 1964, o Auditório Araújo Vianna foi inaugurado em grande estilo no Parque Farroupilha. Ricardo Chaves tinha 12 anos na época, e teve a oportunidade de participar do importante momento por ser filho de Amilton Chaves, então Secretário Municipal da Educação e Cultura. “Foi uma noite muito linda. Me lembro, principalmente, da abertura 1812 de Tchaikovsky, com direito a sinos, tiros de canhão e fogos de artifício.”  


Amilton Chaves, com seu filho Ricardo Chaves e o então
presidente da Assembléia Legislativa, Cândido Norberto,
na festa de inauguração / Fototeca Sioma Breitman 
Programação da noite de abertura do Auditório, em 1964


Apenas 19 dias depois da abertura do auditório, foi instaurado o golpe militar. Alguns militares logo elaboraram teorias conspiratórias quanto ao formato do Auditório. Para eles, visto de cima, a curva da cobertura e a reta da passarela de acesso representariam o símbolo do comunismo: uma foice e um martelo. Moojen garante que não há nenhuma razão pela qual o auditório assumiria alguma ideologia, uma vez que ele foi concebido antes do golpe. “Da nossa parte não houve intenção, não é o auditório que vai convencer os pilotos da Varig a se tornarem comunistas”, brinca o arquiteto.  

Araújo Vianna no Parque Farroupilha visto de cima
Acervo do Museu Joaquim José Felizardo / Fototeca Sioma Breitman

A partir da década de 70, o Araújo ficou consagrado pela apresentação de grandes cantores de MPB. João Gilberto, Caetano Veloso, os Mutantes e Chico Buarque foram apenas alguns dos artistas que fizeram o Auditório lotar em questão de minutos. Mais tarde, o espaço ainda virou palco para o rock gaúcho – as bandas de metal fizeram vibrar a vizinhança do Bom Fim por algum tempo. Nessa época da música urbana gaúcha e do rock, nos anos 80, o Araújo também ficou fechado por pelo menos dois anos para reforma. 
Rita Lee se apresentou com os Mutantes, no Araújo, em 1971
Foto: Ricardo Chaves
Palestras com personalidades famosas e movimentos políticos, como assembleias sindicais, também assinalaram o ambiente efervescente que o espaço representava para a nossa cidade.

Em 1996, o Araújo Vianna recebeu uma cobertura de lona. O governo da época decidiu por esse material, em vez de fazer um teto rijo, devido ao preço, que era muito mais acessível. Só que a lona possuía um prazo de validade curto e não foi capaz de conter o alto som dos novos tipos de produção que o Auditório vinha recebendo. Por esses motivos, entre outros, o espaço cultural foi interditado pela prefeitura em 2005, iniciando todo o processo da atual reforma. 

A nova programação

Segundo Carlos Caramez, a programação de shows da Opus para o Auditório irá abranger uma gama mais variada de artistas e apresentações do que antigamente. “No Araújo, em princípio, a programação será aberta para todos. Pro samba, pro rap, pro pagode”. Quanto aos preços dos futuros espetáculos, o coordenador do projeto de reforma afirma que eles irão variar de acordo com o tipo de produção: “o custo será sempre relacionado com a realidade do que é o nosso trabalho aqui, nada de especial, nada fora do que é o padrão”, diz.

A Secretaria Municipal de Cultura garante que, nas datas em que for utilizar o Auditório, os ingressos terão preços acessíveis. Porto Alegre em Cena, Festival de Inverno e 24 horas de Cultura são alguns dos eventos que a prefeitura pretende sediar no Araújo.

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