17 de set. de 2013

Uma jornalista cultural por acaso

Por Lauren Steffen 

Cláudia Laitano nunca quis ser repórter. Sua paixão sempre foi a literatura. Durante a faculdade de jornalismo na UFRGS, não imaginava se tornar editora de cultura. Desde os tempos da faculdade, Cláudia trabalha no jornal Zero Hora. Já foi revisora, indexadora, editora do caderno de TV e, em 2000, assumiu o cargo de editora-executiva de cultura do jornal. Junto com o trabalho jornalístico, Cláudia desenvolve seu lado literário: escreve crônicas semanais para Zero Hora. E a Cláudia narradora carrega também a Cláudia jornalista: “Minhas crônicas são profundamente influenciadas pelo meu trabalho e pela minha formação”. Atenta aos fatos contemporâneos, a jornalista procura debater temas polêmicos a fim de chamar a atenção das pessoas para o que ocorre no mundo. Conectada ao seu tempo, Cláudia percebe que o cenário cultural de Porto Alegre já foi mais otimista e critica a falta de investimentos no setor. A seguir, Cláudia Laitano conta detalhes de sua trajetória profissional e avalia o desenvolvimento da área cultural nos últimos anos. 



Como você começou a escrever crônicas? 
Cláudia Laitano- Eu comecei a escrever crônicas bem mais tarde do que a escrever sobre jornalismo cultural. Comecei a escrever em 2004 no Segundo Caderno. Tinha um espaço de crônicas quinzenais, como tem até hoje. Saiu um cronista e eu resolvi me oferecer para cobrir a vaga dele. Já tinha cobrido uma interinidade da Martha Medeiros e uma do Paulo Sant’Ana. Na verdade, a primeira vez que eu escrevi crônica foi em 1998, cobrindo a interinidade do Sant’Ana. Eu estava grávida e escrevi uma crônica na coluna dele sobre isso. Minha filha estava para nascer. Hoje ela já tem 15 anos! Aí teve uma super repercussão na época. Então, eu resolvi fazer isso. Logo depois, a Lya Luft saiu da página 2 do jornal e me convidaram para escrever ali.


Quais escritores mais influenciaram a sua forma de escrever? 
CL- Eu leio vários cronistas, mas acho que quem mais me influenciou em como escrever foi Nelson Rodrigues. É um tipo de texto que tenta falar com o leitor, do qual eu gosto muito.


Como você decidiu trabalhar com jornalismo cultural? 
CL- Na verdade, eu não decidi fazer jornalismo cultural. Foi um convite que me fizeram. Quando eu estava me formando, recebi um convite para fazer o Segundo Caderno. Eu já trabalhava na Zero Hora quando estava na faculdade, mas em outro setor. Quando me chamaram, eu trouxe o material que eu tinha produzido na faculdade. Por acaso - ou não por acaso - todas eram na área de cultura. Não que eu tivesse pensado na faculdade: “Ah, quero fazer jornalismo cultural”. A gente não pensa nisso na faculdade. Tu só pensas em achar um emprego. Quem olhou o material era o editor-chefe na época, o José Onofre. É um gaúcho, que morou em São Paulo, há pouco tempo faleceu. Ele era um jornalista da área de cultura, era chefe. Acho que ele teve a sensibilidade de perceber nos textos que eu fazia uma inclinação para a área de cultura.


Em 1993, você escreveu o livro A Arca de Blau sobre as memórias de Carlos Reverbel. Como surgiu o interesse sobre o autor? 
CL- Na faculdade, meu trabalho de conclusão foi sobre o Carlos Reverbel. Ele foi editor de cultura no Correio do Povo durante muitos anos. O Carlos me convidou pra escrever as memórias dele, porque eu já tinha feito meu trabalho de conclusão sobre isso. Quando eu escrevi o livro, eu já era formada. Quando eu me interessei sobre ele, eu comecei a pesquisar sobre o trabalho como cronista. Eu nem sabia que ele trabalhava na área cultural. O que me chamou atenção nas crônicas dele é que ele só falava sobre o passado. Era uma coisa que destoava um pouco no jornal o fato de ele não comentar assuntos do cotidiano. Ele contava histórias que tinham acontecido na vida profissional dele, de autores que ele gostava, pesquisas que ele tinha feito. Ele era um grande pesquisador sobre Simões Lopes Neto. Mas eu não sabia da importância dele como jornalista cultural e como biógrafo quando eu decidi escrever sobre isso. Foi muito por acaso que segui os passos dele, como jornalista cultural e cronista.


Como você define a Cláudia narradora?
CL- Hoje em dia, se tu olhares em vários jornais do Brasil, há muitas pessoas de outras áreas que escrevem. Cada uma traz a sua bagagem. Tem gente da área da filosofia, psicanalistas, historiadores. Há vários tipos de perfis escrevendo esse texto enquadrado como crônica. Minhas crônicas são profundamente influenciadas pelo meu trabalho e pela minha formação. Influenciado pelo trabalho jornalístico, pelas coisas que estão acontecendo. Eu costumo sempre tratar temas que estão em debate. Tem cronistas que vão mais para a área quase da ficção, para a área intimista. Não é com isso que eu me identifico. Eu me identifico com essa tentativa de debater os temas contemporâneos. Eu tento trazer um olhar mais distanciado para as coisas, mas sempre debatendo o que está acontecendo no momento. Não me interessa falar sobre coisas da minha vida, sobre o que eu acho ou não. O que me interessa é pegar uma coisa que está acontecendo e chamar atenção para aquilo.


Como você seleciona os temas das suas crônicas em Zero Hora? 
CL- Essa é a parte mais complicada, porque nem todo assunto interessante e polêmico me mobiliza de alguma forma. Eu escrevo na sexta-feira, então eu tento prestar bastante atenção nas coisas que estão rolando. Acho que agora as redes sociais são muito importantes para ver o que as pessoas estão conversando, o que está gerando polêmica. Então, eu vejo tudo isso: olho material de jornal, vasculho as redes sociais, leio os jornais de fora. E na sexta, às vezes, o tema é evidente; outras vezes tem que chacoalhar.


De onde vem a sua inspiração para escrever crônicas semanais?
CL- É difícil, porque eu tenho que encontrar um assunto que eu ache interessante, sobre o qual eu possa dizer alguma coisa. É um desafio. A ambição de querer promover o debate sobre as coisas que estão acontecendo tem um risco. O risco de ter um assunto muito bom, mas sobre o qual tu não tens nada a dizer. Então, tu não vais acrescentar nada. Tem que ter essa humildade para perceber que sobre certos assuntos tu não vais ter conhecimento suficiente.


Quais as relações entre jornalismo e literatura?
CL- Essa diferença entre jornalismo e literatura é muito o tempo que se tem para trabalhar. A literatura deve ser produto de um trabalho de tempo mais exigente. Um trabalho que, dificilmente, uma pessoa que escreve de um dia para o outro vai ter. Acho que um tema cotidiano pode virar literatura, depende da maneira como ele vai ser trabalhado. A grande diferença é a quantidade de trabalho que tu colocas naquilo. A literatura tu podes ir melhorando, mexendo no texto. É um trabalho eternamente em progresso. Um exemplo é o Sérgio Faraco. Ele fica cinco anos escrevendo um conto. Esse texto ganha outra dimensão se tu trabalhas a linguagem em um nível de excelência. É raro, mas assim como tem escritores que conseguem escrever textos belíssimos, há também jornalistas que conseguem escrever alguma coisa que toca as pessoas. Mas o jornalismo tem outro objetivo. Se a literatura tem o objetivo de apresentar um texto que é diferenciado, uma ambição maior, o jornalismo tem o objetivo de debater as coisas com o leitor enquanto elas acontecem. A literatura quer alcançar uma permanência, que é conquistada pelo nível de aprofundamento da linguagem. Mesmo o jornalismo literário não tem o mesmo timing de uma notícia feita de um dia para o outro. Acaba tendo um processo parecido com a literatura. Alguns dos textos mais legais que existem hoje são ensaios, que são textos de não-ficção, mas que têm um trabalho de linguagem mais sofisticado.

Que diferenças você percebe no cenário cultural de Porto Alegre nos últimos 10 anos? 
CL- Nos últimos 10 anos, Porto Alegre encolheu um pouco eu acho. Ela já foi uma cidade com mais ambição quando a Casa de Cultura foi inaugurada nos anos 90; mais tarde, nos anos 2000, quando o Santander Cultural foi inaugurado. A gente tinha uma projeção do que seria Porto Alegre em termos de cultura, de ocupação dos espaços. A gente vê que as coisas estão minguando, fora as exceções, tipo a Fundação Iberê Camargo, que é um museu maravilhoso, mas que nasceu totalmente da iniciativa privada. Espaços públicos e mesmo espaços privados, como o Santander, encolheram. Talvez porque o banco tenha mudado suas prioridades ou porque o banco achou que Porto Alegre não merecia estar entre as prioridades. Tem vários sinais desse tipo: o teatro da Ospa que nunca sai, o Multipalco que nunca fica pronto. Esse cenário cria uma impressão que a cidade não está em uma fase muito otimista. Acho que o Estado encolheu economicamente e um dos reflexos é a cultura, que é uma área mais sensível. É onde sempre falta dinheiro, é onde depende mais da vontade política de investir, é onde precisa ter mais criatividade para procurar patrocínio.


Qual a sua atividade cultural preferida? 
CL- A principal atividade é a literatura, disparado. É o que mais faço sempre com mais prazer. Sempre leio uma coisa na área de ficção e outra na área de história ou de ensaio. Sempre leio uma coisa de ficção e outra de não-ficção juntas. Cronistas eu leio todos os dias, mas em jornais.


A Zero Hora é um jornal que tem muitos colunistas. Qual o papel do colunista dentro do jornal?
CL- A ideia de ter vários colunistas é trazer mais opinião, mais diálogo e interpretação para conviver com o noticiário, aquele mais hard news, do dia-a-dia. Cada área tem seu perfil de colunista. Na cultura, acho que é muito legal ter colunistas de fora, pois é uma área muito rica, muito complexa e multifacetada. É impossível cobrir todas as coisas, todos os lançamentos, todas as ofertas culturais em potencial que existem. Quanto mais gente tiver dando opinião e analisando fatos culturais, melhor.


Como é feita a seleção dos especialistas que escreverão no Caderno Cultura ou que serão consultados pela equipe da Zero Hora? 
CL- Muitos oferecem textos. Pode ser dos dois jeitos: gente que oferece textos e gente convidada. Por exemplo, o Caderno Cultura da próxima semana vai abordar o tema da maioridade penal. Então, a gente vai atrás dos especialistas daquela área. Alguns a gente já conhece, já sabe que escrevem; outros são indicados. Para permanecer como alguém que é acionado frequentemente, é necessário que ele não apenas entenda sobre aquilo que vai falar, mas que ele saiba se expressar de forma clara, algo que se preste a ser publicado no jornal. Precisa ser um texto que dialoga com o leitor, não pode ser um texto acadêmico hermético.


Cláudia acompanhada de colegas na redação de Zero Hora
Como vocês fazem a escolha dos temas para o Caderno Cultura? 
CL- Para estar no Caderno Cultura, o que importa mais é o nível de reflexão, menos o assunto em questão. Por exemplo, maioridade penal não é um tema cultural, mas se a gente traz pessoas da área da filosofia, do direito, transforma-se em um assunto que pode estar no Caderno Cultura devido ao nível de aprofundamento. E tem aquilo que é obviamente cultural, como literatura, música, cinema. Mas a gente quer cada vez mais abrir o espaço do Caderno Cultura para temas do cotidiano, que serão tratados de maneira diferente do que acontece no dia-a-dia. No sábado passado, teve uma matéria sobre o Kiko como embaixador da Copa, mas era um historiador falando sobre isso, colocando dentro de uma perspectiva da sociedade do espetáculo. O que define não é o tema, mas como a gente vai tratar esse tema.


Quais critérios são usados pela editoria de cultura para selecionar as matérias? 
CL- No Segundo Caderno, a gente tem um critério bem importante: o que a Zero Hora vai fazer que ninguém mais vai fazer. Se a Madonna lançar um CD, tu vais poder ler sobre isso em todos os sites e jornais que tu imaginares. Isso não significa que a gente não vai escrever sobre a Madonna, mas que ela não será prioridade. Por exemplo, se o Borguetinho lançar um disco, a melhor entrevista e provavelmente a única vai ser da Zero Hora. A gente tem o critério de localismo: aquilo que estiver mais próximo de nós será prioridade. Há também o critério de qualidade, de excelência. Há o critério de agenda, de coisas que vão acontecer na cidade e que o leitor precisa se programar. Esses critérios vão se cruzando e, todo dia, tu publicas uma coisa e deixas de publicar dez. A capa de amanhã vai ser sobre aquele projeto “Coisas que Porto Alegre fala”, que vai virar peça de teatro. Essa é uma ótima capa, porque é uma coisa que só a gente tem, é uma notícia. Mas aí de repente no dia seguinte, a capa é o Caetano Veloso. Há nomes que não têm como fugir. Enfim, são escolhas diárias; não tem uma regra infalível.


Qual o público-alvo do Segundo Caderno da Zero Hora? 
CL- A gente trabalha com um público que é o público da Zero Hora. Isso quer dizer que não atinge uma faixa só. Esse público tem jovens, tem gente mais velha, tem pessoas com mais grana, com menos grana. A gente tenta mirar um leitor médio e atender diferentes faixas em diferentes dias. Tem dias que a capa vai ser um pianista e vai atrair pouco público, mas é um grande pianista. No outro dia, pode ser o Guri de Uruguaiana, que não é arte de primeira linha, mas que pode ter um fenômeno de público interessante. Como é um caderno diário, a gente pode fazer um equilíbrio ao longo da semana: hoje vai ser um assunto mais pop, amanhã um mais erudito. É um público muito heterogêneo.


Você fez uma especialização em Economia da Cultura em 2007. Por que você decidiu se aprofundar nesse assunto? 
CL- Economia da cultura é um campo novo, a turma que eu fiz foi a primeira da UFRGS, lá na Economia. Agora já tem até um setor especializado no Ministério da Cultura e acho que vem crescendo bastante. É uma área interessante, porque mostra o peso que a cultura pode ter na economia e como a cultura deve ser encarada de uma forma profissional. Não é só pensar que um espetáculo legal vai ter público. Para a montagem, vai precisar patrocinador, vai ter que ver o preço do ingresso, vai ter que lidar com a exigência legal de meia-entrada. E isso acaba mobilizando profissionais e dinheiro como em qualquer outra área. O setor de cultura é um dos que mais cresce no mundo inteiro e o Brasil ainda tem muito a aprender. A gente vem de uma tradição de depender muito da área pública. Cada vez mais se sabe que as coisas só funcionam quando tem uma parceria público-privada. Sozinho, o governo não tem capacidade de subsidiar tanta coisa em um país tão rico como o Brasil.


Como se dá o impacto da imprensa sobre as manifestações culturais? 
CL- A gente sabe que tem coisas que podem ser uma sentença de morte. Se a gente fizer uma crítica negativa sobre uma peça de teatro que está estreando, pode ser a sentença de morte daquela peça. Ao mesmo tempo em que dar uma crítica ruim do Paulo Coelho pode ser que não tenha nenhum impacto sobre ele, falar bem de um determinado filme em cartaz não garante que ele será um sucesso de público. Esse jogo não é tão previsível quanto parece e o impacto da imprensa não se dá da mesma forma em todas as manifestações culturais. Claro que a gente sabe da nossa responsabilidade com a produção local. O jornal se coloca como um agente que colabora nesse circuito, jogando a favor da cultura local. É um mercado muito frágil, muito pequeno. Então, o jornal tem esse critério de valorizar o cinema gaúcho, a literatura gaúcha, etc. Essa ideia de que o jornal constrói e destrói reputações não é tão simples assim. A gente gostaria de ter toda essa influência, mas não tem. Pouco importa se a gente falar bem ou mal do (filme) Homem de Ferro. Cada produto cultural tem sua especificidade e seu tempo de vida.


Você trabalha como editora de cultura na Zero Hora desde 1996. Não sente falta de fazer reportagens? 
CL- Tem um jornalista que se chama Cláudio Abramo. Ele escreveu um livro que se chama “A Regra do Jogo”, que eu li durante a faculdade. Ele diz que existem duas carreiras diferentes: a carreira do editor e a carreira do repórter. Não necessariamente a pessoa que gosta de ser repórter, gosta de ser editor, e vice-versa. Muitos repórteres, que prefeririam fazer reportagens, acabam virando editores, porque ganha mais. Esse não é o meu caso. Não me sinto repórter; até faço alguma coisa quando aparece de vez em quando. Minha carreira é de editora. Não sinto falta de ir para a rua, desse tipo de vivência. Até porque na área cultural é um pouco diferente do que ocorre em outras áreas. O repórter do Segundo Caderno não vai tanto para a rua quanto um repórter da Geral. A reportagem nunca foi minha paixão.


Como você define um bom texto de jornalismo cultural?
CL- Com certeza um bom texto é produto de um bom leitor. Não existe bom texto produzido por quem não lê. Ninguém faz um esporte sem treinar. Escrever é o ato de colocar em prática uma coisa que é treinada através da leitura. A leitura é que te dá repertório, que te ensina a pensar, que te ensina recursos de texto que funcionam ou não. Um texto pobre é reflexo de alguém que não leu o suficiente, que não tem bagagem.

Qual a sua opinião sobre a obrigatoriedade do diploma de jornalismo? 
CL- Eu sou basicamente contra a obrigatoriedade do diploma. Não sou contra as faculdades de jornalismo, acho que as pessoas podem escolher estudar isso na faculdade. Não é o meu caso; eu não teria escolhido estudar jornalismo se não fosse obrigatório na minha época. Provavelmente teria feito filosofia. Acho o jornalismo da Fabico muito fraco, em termos teóricos e práticos. Não teve relevância para minha formação. Provavelmente me ajudou mais os três anos de psicologia que eu cursei antes do que os quatro anos da faculdade de jornalismo. Acho que os jornalistas poderiam escolher fazer a formação em outra área. Se quiser estudar teoria da comunicação, depois, pode fazer jornalismo como um curso de especialização. A maior parte do repertório do jornalista é aprendida no dia-a-dia. O que eu mais sinto falta quando chegam jornalistas recém-formados na redação é a falta de repertório, é a falta de leitura, de formação em uma área sólida.

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