17 de set. de 2013

Sonus silentium

Por Gustavo Dutra 

Nave principal da Catedral Metropolitana
Difícil não se lembrar da expressão consagrada por Simon & Garfunkel ao entrar num templo católico, mesmo num centro movimentado como o de Porto Alegre. Numa época que a Igreja de Roma vem enfrentando um decréscimo sensível no número de almas sob sua tutela, os templos do Centro mantêm um fluxo contínuo de fiéis que, se não têm tempo para as missas, dedicam ao menos alguns minutos da jornada diária em busca de paz de espírito.






O imaginário popular acerca dos templos católicos (e, consequentemente, de vários cultos cristãos reformados, em especial dos protestantes históricos) é tradicionalmente de um edifício alto, com detalhes apontando em direção ao céu. É o indício externo de que a igreja não se limita a ser um lugar dedicado à prática dos ritos religiosos – sua arquitetura é pensada de forma a ser parte da experiência, “oferecer um espaço mais propício para a meditação religiosa” de forma a torná-la mais completa, segundo o padre Cláudio, auxiliar na paróquia de Nossa Senhora do Rosário. Um exemplo marcante é a presença de nártexes – termo que designa o “hall” de uma igreja – na maioria dos templos, independente do tamanho. Ele é praticamente um simbolismo da mudança nas regras do jogo: é a transição do limitado mundo exterior para a amplitude da presença divina.

Evidente que, quanto maior o templo, maior será o efeito provocado pelo nártex. Nesse sentido, a Catedral Metropolitana de Porto Alegre, cuja enorme dimensão também abriga uma cripta e a Cúria Metropolitana aos fundos, sem dúvida provoca o maior impacto. Tendo a pedra fundamental lançada em 1921, a catedral levou mais de 60 anos para ser dada como concluída, com as torres e a cúpula sendo finalizadas muito depois que o prédio já vinha sendo utilizado como local de culto. O fato de ter sido projetada por um arquiteto oriundo de Roma, Giovanni Battista Giovenale, certamente contribuiu para a significativa diferença do prédio com relação a outras igrejas importantes de Porto Alegre. Ao contrário de templos mais antigos e fortemente barrocos como a igreja da Conceição, a Catedral lembra mais as construções sacras do Renascimento, nas quais a beleza vem da simplicidade dos padrões geométricos. Ainda assim, as imagens barrocas predominam em quase todos os templos importantes da cidade, e na Catedral não é diferente.

Parte interna da Igreja de Nossa Senhora do Rosário
A Igreja de Nossa Senhora do Rosário, situada na rua Vigário José Inácio, não disfarça sua localização: próxima ao trecho mais agitado da Rua dos Andradas, é onde se percebe um fluxo contínuo de fiéis que, entre os minutos (geralmente breves) que rezam e entregam suas angústias a Deus, entram e saem apressados para uma consulta médica ou pagar as contas. Embora se apequene ao lado dos prédios que a cercam, a nave principal não perde em grandiosidade. Nesta igreja jaz o padre Roberto Landell de Moura, pioneiro da radiotransmissão e que foi pároco da comunidade entre 1915 e 1928. Inaugurado em 1956 (após a demolição da antiga paróquia), o templo é mais sóbrio que a Catedral e outras edificações mais antigas, mas preserva a preferência de outrora dos católicos por adornos como pinturas – algo que vem se perdendo no design dos locais de culto modernos. A grande atração é, sem dúvida, o teto plano decorado com uma imensa pintura de Lorenz Heilmeier que descreve a Batalha de Lepanto, evento que originou a devoção a Senhora do Rosário.

Igreja de Nossa Senhora das Dores (Fotos: Gustavo Dutra)
A Igreja de Nossa Senhora das Dores, localizada na Rua dos Andradas, fica um pouco mais afastada do burburinho das proximidades da Esquina Democrática e da Praça da Alfândega. Templo mais antigo da cidade ainda em pé (a pedra fundamental foi lançada em 1807, sendo concluída em 1866), e marcada pelo barroco dos açorianos que a construíram, o silêncio de seu interior é ainda mais impenetrável que a das outras em função da ampla escadaria que a separa da rua. Dotado de excelente acústica em função do teto abobadado, em seu interior o menor estalo vira um tiro e uma criança mais barulhenta soa quase como uma creche inteira. Os 65 degraus das escadarias são um ponto frequentemente escolhido para fotos de casamentos, mas talvez afastem os transeuntes apressados, que preferem o acesso secundário pela Rua Riachuelo.

O rito, independente do tempo de duração, é o mesmo: faz-se um sinal da cruz com a água benta disponível em pias de mármore próximas à entrada (o objetivo é simbolizar o sacramento do Batismo) e começa a oração, mergulhada no silêncio imperturbável da nave, quebrado ocasionalmente por alguma criança entediada com a meditação dos que a acompanham. Alguns pais erguem as menores até as pias, para que também aprendam (e quiçá, mantenham) os procedimentos do ritual. Perguntados sobre o que há de diferente quanto à prática das meditações num templo e em casa, vários fiéis destacam a experiência coletiva promovida pelo primeiro: “Gosto de rezar aqui porque sempre há alguém da comunidade. Muitas vezes as pessoas entram só para visitar, mas quando veem um terço, também participam. É um ambiente muito acolhedor”, diz Rosa Maria, 50, membro da paróquia de Nossa Senhora da Conceição.

Parte interna da Igreja de Conceição
Menor do que as citadas até aqui (não possui naves laterais), a Igreja de Conceição, situada na Avenida Independência, também carrega uma forte tradição barroca. Atualmente, outras dependências da edificação se encontram em processo de restauro, mas o interior do templo já foi finalizado e se encontra à disposição de quem quiser entrar. Com a entrada de frente para uma das vias mais movimentadas e não muito ampla, a Conceição promove um silêncio menos inquebrantável que o das grandes igrejas, mas isso não parece incomodar os que lá se reúnem. O fluxo de pessoas que entram e saem é contínuo – tanto de membros locais, quanto de visitantes e funcionários do Hospital Beneficiência Portuguesa que entram para uma rápida oração no horário de folga –; e, de acordo com a secretaria, a presença nas missas é bastante regular.

A paróquia São Luiz Gonzaga
O templo mais novo de Porto Alegre, localizado na rua Guilherme Alves, bairro Petrópolis, é o da paróquia São Luiz Gonzaga. Foi inaugurado há cerca de cinco anos em substituição à antiga sede, agora usada como salão de eventos e departamento administrativo da comunidade. Diferente das igrejas do centro, que além da entrada ininterrupta de fiéis, também são importantes pontos turísticos da cidade, os templos de bairros não costumam ficar abertos o dia inteiro. Embora os detalhes internos da igreja ainda não estejam totalmente finalizados, o prédio já é usado para as missas. De fora já é possível notar as diferenças do design de templos modernos: as estruturas que direcionam para o céu continuam lá, mas a beleza é combinada com a praticidade de uma estrutura mais simples. As laterais da igreja são de vidro, de modo a aproveitar uma melhor iluminação natural, mas não há pinturas ou maiores adornos além das imagens no altar.

Não é improvável que mesmo parte dos não-católicos sintam alguma atração pela experiência meditativa oferecida pelos templos (independente de serem cristãos ou não.) Afinal, mesmo num lugar de crescente secularização como a Europa, as populações relutam em demolir templos, preferindo convertê-los em espaços culturais ou comerciais. As práticas meditativas independem da religião, e os espaços concebidos pela arquitetura sacra certamente contribuem para favorecê-las. É difícil ficar indiferente ao som do silêncio.

0 comentários:

Postar um comentário