17 de set. de 2013

Aponta pro amanhecer e canta

Por Jéssica Caroline Kilpp 

Ana Muniz é uma guria de 16 anos. É muitas. Cantora, compositora, poeta, desenhista de bloquinho de notas, estudante do segundo ano do Ensino Médio. Artista.

Despontando como uma promessa entre tantos músicos com produção independente no país, ela aprendeu a tocar violão aos sete anos com o pai, Daniel Muniz, dentro de casa. A cantar, depois que a mãe comentou que sua voz era bonita – Ana, hoje, afirma que não era, mas atribui à frase a culpa pelo interesse no canto.




Foi em 2012, juntamente com Zé Carrasco (baixo e backing vocal), Thiago Weber (percussão) e Térence Veras (guitarra e backing vocal) - proprietários do Estúdio 3 Ouvidos Produções - que Ana gravou seu primeiro CD ‘+Sol + Riso’. A parceria já vinha acontecendo desde 2011 e ‘Os Três’, como são chamados, ajudaram Ana nos arranjos e na parte mais técnica. ‘Eu não fazia ideia do que eu poderia fazer com as minhas composições, de onde eu chegaria com aquilo tudo e eles me ensinaram muita coisa”.

Todas as nove composições do CD são autorais, entre elas ‘História pra Contar’, ‘Teorema’ e ‘Confundindo os Azuis’, que retrata o verde e o azul como os extremos máximo e mínimo das ideias. Para ela, foi uma forma de dizer que as pessoas devem achar um equilíbrio em tudo na vida.

Eu conversei com ela numa daquelas tardes ensolaradas do Sabará que eu já conhecia muito bem. O Jardim Sabará é um bairro da Zona Norte de Porto Alegre mais distante do centro da cidade. Bem distante do famoso pôr-do-sol do Guaíba. É onde eu e a Ana moramos.

Que engraçado é descobrir, ao mesmo tempo que o resto da cidade, que a nossa vizinha é uma artista. A distância de uma casa impediu que eu conseguisse ouvir a voz dela cantando de bobeira perto de uma janela. Mas, nada que as redes sociais não corrijam - estas ótimas aliadas dos artistas e traidoras da boa vizinhança.

Pense num dia lindo, daqueles que contrastam o verde escuro das árvores com o azul bonito do céu, que não confundem os azuis. Uma tarde de domingo com ares de família: todo mundo em casa, um pouco mais de alegria pela rua. Tudo equilibrado. Tudo a ver com a Ana Muniz.

Compositora desde os 11 anos, vê na família a razão pelo seu interesse na música. Ela aprendeu a cantar, tocar violão, teclado e outros instrumentos como escaleta sem ter nenhuma aula. Seus irmãos tinham uma banda no estilo garagem - do som deles eu me lembro bem: bateria acaba sendo mais imponente até mesmo longe das janelas. Foram eles que apresentaram à Ana a sua maior inspiração: Los Hermanos.

‘Meus irmãos faziam o favor de ouvir bem alto antes de sair de manhã, sem se importar com a irmã mais nova que tava dormindo. Mas hoje eu agradeço por isso”. Marcelo Camelo e Rodrigo Amarante, são, portanto, suas principais inspirações. A frase ‘Aponta pra fé e rema’, em referência à música ‘Dois Barcos’ da banda, circunda o antebraço esquerdo de Ana, ilustrada por uma ampulheta.

A imprensa local, inevitavelmente, procura fazer comparações entre Ana e outras cantoras, principalmente com a paulista Malu Magalhães: as duas compõem desde cedo, tanto em inglês quanto em português e, aos 15 anos, começaram a ficar conhecidas. “Eu não me importo nem um pouco com a comparação, porque ela namora uma das minhas maiores referências. Mas não vou gostar se falarem que sou ‘a nova Malu’. Não quero que pensem que a nossa música é igual. Porque, sei lá, é diferente!”. Ana também se espelha muito na paulista Céu e dá para perceber o quanto a sensibilidade e o cotidiano da sua música se aproximam da MPB. Em ‘+Sol+Riso’ a música Remind You é a única composição em inglês: para ela, o público se identifica e ‘sente’ quando a letra é em português. Há mais ‘troca’.

A sua inserção na música parece ter acontecido de forma natural, tanto que as suas referências são as mais cotidianas possíveis: “Sabe do que eu gosto? Dos poemas do ônibus. Quando eu ando de ônibus eu realmente fico tentando interpretar os poemas, imaginando o que a pessoa tava pensando quando fez aquilo”. O mais legal é que o poeta pode estar sentado ao nosso lado. Ela mesma compõe durante suas ‘viagens’ por Porto Alegre e pensa que, da mesma forma que as pessoas nem imaginam que ela esteja fazendo música ou poesia, ela própria pode estar sentada ao lado de um poeta ou artista.

Ana compõe viajando e viaja compondo: um dia, assistindo a um filme, ‘muito bom que eu não lembro o nome’, a frase de uma das cenas chamou tanto sua atenção que ela parou tudo para anotar. A enfermeira, que dava banho em uma mulher, disse que tinha dois filhos, mas que na sua casa tinha só uma banheira. O ‘insight’ rendeu uma composição que será gravada no próximo CD. O caráter observador com origem na timidez da infância marca o seu single mais recente ‘Aquela de Porto Alegre’. Na música, o imaginário da cidade se constrói sob o seu olhar: o amanhecer – e não apenas o clássico pôr-do-sol - é citado. Para os mais ao norte, não é difícil acordar com o sol batendo na janela: amanhece mais cedo e mais bonito no Sabará – que, afinal, também é Porto Alegre!

De início cantando apenas para os ‘seus’, em casa e, depois, no casamento do irmão mais velho, não parecia haver muitos projetos quanto à música. As gravações cruas e amadoras que fazia no próprio computador e o contato com ‘Os Três’ a levaram adiante com naturalidade no que viria a ser algo maior. Desde seu último show, na Praça da Encol, durante as comemorações da Semana de Porto Alegre, o contato artista-público começa a se consolidar.

No entanto, foi com o convite para abrir o show da cantora americana Norah Jones, em dezembro, que Porto Alegre deu atenção à menina que ‘conhece em versão bebê’. O show não aconteceu, em função da morte do citarista indiano Ravi Shankar, pai de Norah. Mesmo assim, vários convites para aparecer em programas locais de televisão e rádio começaram a surgir, e até mesmo, com eles, alguns inconvenientes:

“Já me fizeram algumas perguntas do tipo: se tu conhecer o Marcelo Camelo, vai tentar roubar ele da Malu? Tu tem só 16 anos, como é o assédio dos meninos no colégio?”.

Construir estereótipos adolescentes sobre ela não funciona: ela não tem televisão no quarto, não fica horas nas redes sociais, não freqüenta as mesmas festas que os seus colegas. Os amigos chegam a perguntar se ela ‘tem vida’: “Só porque eu não freqüento o mesmo lugar que eles, não quer dizer que eu não tenho vida. Eu tenho, só faço outras coisas. Também ficam me perguntando o que eu ‘vou fazer da minha vida’. Eu digo: música. As pessoas olham com aquela cara de pena, uns até dizem que ‘vou passar fome’”.

O fato é que ela está em transformação. A voz, as ideias e as inspirações estão em constante amadurecimento. Entre o primeiro clipe, gravado em 2011, aos 14 anos, e as suas últimas gravações é notável uma boa mudança na voz. Por isso, o projeto é fazer gravações e publicações frequentes para que as pessoas percebam e acompanhem sua evolução. Como publicou em sua página: “Tou com novas ideias pra velhos projetos; novos projetos de velhas ideias; velhas músicas em novos formatos e novos formatos pro velho site. Tenho um bloco de notas onde faço poemas e demais artes, e pretendo começar a divulgá-los pra todo mundo que quiser ler. Transformá-los em camisetas, até. Os faço desde os 12 anos e nada mais justo do que torná-los públicos. Tenho planejado um clipe novo, de uma canção que não divulgo por puro charme”.

No seu quarto, que é pequeno, mas cheio de sua personalidade, algumas marcas dessa transformação são visíveis: nas bordas da parede preta ainda dá para ver o restinho das outras cores que antes pintavam por ali. Caixotes de madeira foram transformados em estante e exibem algumas ampulhetas, bijuterias e livros. Ao lado, os instrumentos e, junto, o computador, que ela usa para acessar o programa que a permite compor e fazer arranjos sozinha. Apesar dos equipamentos, ela garante que o melhor amigo de um compositor é o bloco de notas.

Ana Muniz já recebeu convites para fazer shows em São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais. Sobre a fama, ela nem pensa. Acredita ser uma consequência que mal tem ideia do que signifique. No peito, a frase ‘la musique parle a l’âme’ mostra que o que importa é que a música fale com a alma. O que ela quer é a cabeça cheia de projetos, arte e história pra contar. Que não faltem bloquinhos!

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