17 de set. de 2013

O foco, o reflexo e a arte

Por Rodrigo Lorenzi 

Coletivos de fotografia ganham reconhecimento e desvendam talentos em Porto Alegre 

Fotos: Divulgação
Após um momento de pouco efervescência cultural de margem em Porto Alegre, manifestações artísticas estão ganhando destaque e reconhecimento pelo público. Os coletivos de fotografia aparecem dentre todas essas artes porque dão cara e voz aos movimentos sociais, à diversão e às gerações que estão fazendo ressurgir a atmosfera criativa e cultural da cidade.

Alguns se encontram por acaso, outros pelo trabalho já consolidado, e também tem quem acaba se conhecendo por causa do ócio. É assim, de maneira incerta e natural que os grupos de fotógrafos se formam. Ideias sem embasamento comercial, pelo menos a princípio, e bastante coragem para expor suas certezas ao público lá fora garantem a coesão necessária para que os projetos dos coletivos fotográficos ganhem corpo, repercussão e reconhecimento. Considerados cultura de margem por fugirem dos estereótipos e dos caminhos óbvios para o sucesso, eles acreditam que têm algo a acrescentar ao cenário cultural, e que as pessoas vão gostar disso. E é verdade. Cada vez mais coletivos como a Volt Project, Ovos e Llamas e Sete / Nove ganham o público pela arte que produzem. Arte que, segundo eles mesmos, pode ser feita por qualquer um.


A idéia de reunir um grupo de pessoas e praticar a fotografia, colocando em jogo a autoria individual para que uma identidade visual ou editorial se estabeleça no material produzido, vai ganhando inovações e perspectivas diferentes. Mas, segundo a professora de Fotografia da UFRGS, Sandra Gonçalves, tanto no fotojornalismo como na fotografia publicitária, sempre existiu um esforço coletivo para atingir o resultado pretendido. “Assinar coletivamente um trabalho ou não, em uma sociedade capitalista onde o direito a propriedade é central, coloca em xeque esse valor ao mesmo tempo em que coloca em debate a ideia de autor individual ligado ao ato criativo” afirma Sandra.

Apesar da maioria dos coletivos da capital gaúcha não entrar tanto na discussão intelectual sobre fotografia, dilemas de créditos e sobrevivência comercial, alguns deles acabam se conhecendo em templos de conhecimento (como faculdades e universidades), como foi o caso dos garotos do Ovos e Llamas, um coletivo criado no final de 2011 que, além das fotografias, já produz festas e tem um grupo musical chamado Chimi Churris. “A fotografia era o que a gente usava inicialmente pra se expressar, então o Ovos e Llamas é expressão, e expressão daquilo que a gente gosta, da nossa diversão.. mas também de algumas coisas que acabam se envolvendo com política, só que não aquela do tipo partidária” diz Mario Arruda, um dos fundadores do grupo. Além dele, Ricardo Giacomoni e Maurício Pflug compõem o trio de fotógrafos, estudantes, músicos e pensadores do coletivo que nasceu na Faculdade de Biblioteconomia e Comunicação da UFRGS, quando Ricardo ainda cursava Publicidade e Propaganda (hoje ele estuda no prédio do outro lado da rua da FABICO, fazendo Psicologia).

Eventos como a Marcha das Vadias e manifestações culturais nas ruas da Cidade Baixa já foram registrados também pela Volt Project, um coletivo idealizado por João Veppo e Chico Soll no ano passado e que teve um crescimento exponencial quando se trata de relação com o público. Vanessa Samurio, designer e partner do grupo comenta a respeito: “a nossa relação com as pessoas é muito próxima porque é nas festas e pela internet que acontece a interação direta entre todo mundo, então a maioria vira nosso amigo, tendo conhecido ou não alguém da Volt antes dela acontecer ”. Conhecidos por fotografar os momentos e as pessoas sem censura alguma, mostrando a verdadeira noite alternativa de Porto Alegre, os registros dos guris já são requisito para quem se diz um grande freqüentador das boates portoalegrenses, afinal eles estão em todas e clicando o que há de mais marcante nas festas. Além disso, também já trabalham com editoriais de moda, especialidade de Miguel Soll, outro componente do coletivo, que já teve trabalhos publicados em plataformas como a Contributor Magazine e a DMAG. Por ter uma veia mais popular e estar ligado com o mercado comercial, a Volt já produz as próprias festas e conseguiu garantir credibilidade e identidade diante do público que se identifica com suas ideias.

Mas e qual a vantagem de ser um coletivo? O óbvio é pensar que cada um contribui de uma maneira e no final tudo fica bonito e diferente, mas para por aí. Além disso, Mário e Maurício, do Ovos e Llamas explicam que antes tinham dificuldade de colocar algumas referências no seu próprio trabalho; quando encontraram quem se identificasse com eles, apesar de diferentes, aconteceu uma criação pontos de interesecção, até pelo convívio, e houve uma evolução de cada um e do trabalho que começou a ser produzido. Um exemplo de como o coletivo afeta e atrai os indivíduos, modificando comportamento, foram as manifestações a favor do protesto contra o aumento das passagens, ocorridos em abril desse ano e novamente em junho, em que aproximadamente dez mil pessoas se reuniram e se organizaram via redes sociais para agir, interagir e reagir em relação a um assunto público. Na fotografia, esse resultado é visto e sentido pelo público que acompanha os trabalhos dos coletivos, e cada contexto determina aspectos e mudanças específicas em cada um deles, trazendo novos temas, problemáticas e referências virtuais e de realidades mutantes.

A inspiração da nova geração de fotógrafos-artistas que os coletivos produzem vem desde figuras clássicas conhecidas na fotografia como Henri Cartier Bresson e Nan Goldin até outros coletivos do Brasil e de países como a Ucrânia e a China. As marcas culturais que esses agrupamentos de fotógrafos refletem e, ao mesmo tempo, modificam a identidade dos jovens e amantes da cultura. A busca por influências e referências faz com que a criatividade e as ideias de quem não tem nada a perder tomem forma e se consolidem como valiosas. O cruzamento de informações, estilos e estéticas produzidas por várias pessoas quando se propõem a fotografar um assunto em comum torna o que antes era apenas um instinto ou uma doideira em arte e cultura; é o reflexo da consciência diante do espelho que é a sociedade.

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