17 de set. de 2013

Jeneci: o (en)canto da nova MPB

Por Maria Fernanda Cavalcanti

Foto: Ariel Martini/Revista Noize
Azul. Era a cor da camisa que Marcelo Jeneci vestia em uma noite de setembro de 2009, no Salão de Atos da UFRGS. Lembro bem quando aquele moreno baixo de barba cerrada entrou bombardeando o silêncio com a delicadeza dos toques no piano, que fizeram as primeiras marolas no mar que estava por vir no microfone. A leveza e a potência nunca pareceram combinar tão bem quanto nas mãos e voz do jovem instrumentista. O show era dos mestres Luiz Tatit, Zé Miguel Wisnik e Arthur Nestrovski, mas o encanto ficou por conta de Jeneci que estava prestes a lançar seu primeiro álbum e a um passo de se tornar uma das grandes revelações da nova música popular brasileira, com 27 anos.





A caminhada, no entanto, já havia começado desde muito cedo. Nascido em abril de 1982 em Guaianases, Zona Leste de São Paulo, o músico cresceu ao lado da mãe, ouvinte de rádio popular e fã de novelas, e do pai Manoel Jeneci, pernambucano, apaixonado por Roberto Carlos e autodidata que sempre ganhou a vida consertando aparelhos eletrônicos e instrumentos musicais. Foi quase inevitável o pequeno Marcelo esbarrar nos acordeons espalhados pela casa e iniciar, assim, seus próprios acordes. Também o piano virou sua grande paixão, por influência do pai que gostaria de vê-lo se tornar um renomado pianista de jazz.

Em 2000, Seu Manoel soube por frequentadores de sua oficina que Chico César procurava um músico para tocar sanfona e piano em sua turnê internacional. Foi quase um chamado. Marcelo tocava ambos, mas treinava em sanfonas que os clientes do pai deixavam para consertar, pois não tinha seu próprio instrumento. O problema foi resolvido por um dos habitués da oficina, Dominguinhos, que resolveu presentear o menino com uma peça de sua coleção. Com instrumentos próprios, apresentou-se a Chico César e logo estava tirando o passaporte. Jeneci, então com 17 anos, iniciava seu primeiro trabalho como músico profissional, com a sanfona do mestre, ao lado de um grande músico popular.

Depois de três meses viajando entre Europa e Estados Unidos, o menino que havia deixado a vida pacata do bairro pobre da zona leste de São Paulo já não era mais o mesmo. "Minha mãe diz que quando me viu chegar no saguão do aeroporto, ela já tinha perdido o filho dela, aquele que ela segurava para ela", diz. Segundo o próprio bem-humorado músico conta, esse foi o grande divisor de águas para o seu futuro profissional. "Costumo dizer que o Chico César salvou minha vida. Viajei em um momento que já estava sendo treinado para levar uma vida muito pacata, num bairro pequeno de São Paulo, indo para a igreja, e já tinha uma namorada certa para casar. Aí eu saí fora e nunca mais voltei”. E não voltou mesmo, só voou mais alto.


O voo para o encantamento 

O instrumentista não seguiu o caminho do jazz, como era o desejo do pai, e tampouco abraçou os ritmos nordestinos de suas raízes. Suas músicas são inspiradas em um cenário totalmente urbano que fala com o coração. Hoje com 31 anos, elogiado por críticos e músicos consagrados como Sérgio Martins e Arnaldo Antunes, o jovem ganhou destaque escolhendo palavras para músicas com um dom de quem lavra a terra com tanto amor que colhe só poesia. Foi compondo que o instrumentista arrebatou parcerias com grandes nomes da música brasileira e começou a escrever o seu entre os principais construtores da nova MPB.

Além de compor canções com o próprio Chico César, Jeneci assina músicas com Vanessa da Mata – o hit “Amado”, que foi trilha de novela da Rede Globo e uma das músicas mais tocadas de 2009 –, Zé Miguel Wisnik e Paulo Neves (“Tempestade Emocional”), Luiz Tatit (“Por Que Nós?”) e Arnaldo Antunes (“Longe” e “Quarto de Dormir”). Zélia Duncan, que gravou canções inéditas de Jeneci em seu último cd, engrossa o coro dos fãs e parceiros do também multiinstrumentista.

O primeiro álbum próprio de Marcelo Jeneci veio em 2010, com 28 anos e uma vasta vivência e bagagem musical. Intitulado “Feito pra Acabar”, com o selo da Som Livre, o disco tem linguagem e arranjos apurados. As treze faixas autorais, a maioria em parceria com nomes já conhecidos do público, marcaram a primeira e rica safra de composições originais do paulistano. Das treze músicas de “Feito Pra Acabar”, cinco contam com arranjos do também instrumentista e compositor Arthur Verocai, responsável por regências em discos de nomes como Marcos Valle, Gal Costa, Erasmo Carlos, Jorge Ben Jor, Ivan Lins e Elizeth Cardoso. No disco de Jeneci, estão sob a batuta do carioca de 65 anos as músicas “Feito Pra Acabar” e “Quarto de Dormir”, ambas com orquestra; e “Felicidade”, “Tempestade Emocional” e “Por Que Nós”, estas com arranjos de cordas.


O encanto cresce 

No palco com a parceira Laura Lavieri (Foto: Divulgação)
 “Feito pra Acabar” foi o início do encantamento que a nova MPB ainda não sabia que era possível, através da voz e do amor escrito de Jeneci. “Sinto que do mesmo jeito que nos anos 60 apareceu uma frota vazia de ônibus com vários lugares para serem ocupados, agora aparece uma nova frota com vários lugares para serem ocupados e eles estão começando a ser ocupados”, diz ele, fazendo referência à efervescência que a música popular brasileira voltou a sentir em 2010, com outros cantores como Tulipa Ruiz, Criolo e Mallu Magalhães.

"Acho que a carreira de Jeneci será brilhante. Ele faz parte de uma geração que vai representar a vitória de tudo aquilo em que eu acreditava quando comecei - o lirismo, a linguagem doce do piano. Ele será meu parceiro no futuro, com certeza", opina Guilherme Arantes, uma das grandes referências de Marcelo Jeneci, em entrevista à Revista Bravo!.

A parceria com a cantora Laura Lavieri, de 23 anos, também trouxe uma doçura e uma harmonia ao primeiro cd do paulistano, que há tempos a música brasileira não oferecia a quem estava pronto para se derreter em acordes românticos, mas não ingênuos. Nestes três anos, Jeneci aproveitou para levar o encantamento aos quatro cantos do Brasil, com uma turnê nacional movimentada, passando pelas principais capitais e também pelo interior.

Agora, em 2013, é esperado o segundo álbum do artista com as possíveis participações de Marcelo Camelo e Erasmo Carlos, anunciadas pelo próprio Jeneci: "Me aproximei muito deles depois que lancei o disco e provavelmente vamos fazer algo juntos. Na maioria das vezes, eu faço a melodia e um pedaço da letra, mas aí gosto de chegar junto de alguém que vai subir o nível da canção. Penso na música como na pintura de um quadro, que sempre pode ter mais profundidade", revela.

Marcante nas canções do jovem paulistano é a poesia que se mistura à guitarra pesada e divertida que pode dar lugar à sanfona suave e melancólica, em segundos. Resta esperar para ver se esse passeio pela intensidade e a doçura, feita de forma magistral no primeiro cd, continuará na fórmula do segundo álbum ou se haverá surpresas daquele que vem (en)cantando nesse lindo ônibus da nova MPB.

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