27 de jul. de 2011

Há algo novo no front

Por Gabriella Scott

Não se deixe enganar pelo título, em português, “Namorados para sempre”. O título original Blue Valentine (algo como “namorado(a) triste”) e o subtítulo Uma Verdadeira História de Amor definem de maneira muito melhor tal filme.

Cena do filme Namorados para sempre/Divulgação


Namorados para sempre retrata uma relação desgastada pelo tempo. A história ali narrada não é um grande blockbuster amigável. É, na verdade, a pintura de pessoas normais, que vivem vidas normais e que transitam por um relacionamento normal, sem retoques de fantasia hollywoodiana. É um filme visceral e cru, que impõe a seus espectadores uma reflexão acerca do que é o amor e como (e se) ele pode perdurar com o passar do tempo. O longa teve seu lançamento nos Estados Unidos, seu país de origem, em 2010. No Brasil, porém, só chegou aos cinemas no dia 10 de junho (pela proximidade com os dias dos namorados, foi vendido como um bom programa para se fazer na data – uma grande ironia). O diretor Derek Cianfrance possui em sua filmografia apenas mais uma produção, “Brother Tied”, de 1998 – um filme independente que obteve boa aceitação pela crítica, sendo selecionado para o Sundance Film Festival. Além desse longa, Cianfrance apenas dirigiu produções para a televisão norte-americana.


O filme inicia mostrando Cindy (Michelle Williams) e Dean (Ryan Gosling) já casados há alguns anos. Em seus rostos e gestos percebe-se que todo o amor e a paixão se esvaíram. As únicas cenas alegres acontecem quando a filha do casal Frankie (Faith Wladyka) brinca com o pai. Mas mesmo esses momentos são entrecortados por uma tristeza explícita de Cindy – sempre obrigada a colocar regras e limites para os dois. Um exemplo é uma das primeiras cenas do filme, na qual Dean incentiva a filha, e brinca também, de “comer como um tigre”, ou seja, se alimentar sem usar as mãos, lambendo seu cereal diretamente da mesa. A mãe, quando vê tal atitude do pai, diz que não bastasse ter de limpar a sujeira de uma criança, teria de limpar a de duas. Assim, nota-se que o filme de Derek Cianfrance, a todo o momento, dá pistas para que o espectador desvende esse relacionamento abalado. Pois, uma passagem que poderia ser vista como uma brincadeira descontraída é encarada com tensão e ressentimento.


O roteiro não-linear de Cianfrance, Cami Delavigne e Joey Curtis ganha muito em qualidade quando começa a misturar passado e presente. Ao mesmo tempo é mostrado como os dois jovens se conheceram, como era diferente, no princípio, sua relação - seus gestos eram mais carinhosos e seus olhares eram apaixonados, o casal ainda se encontrava em estado de graça e êxtase. E como esse amor agora estava em ruínas, vide a passagem em que Dean leva Cindy para um motel de baixo nível e até mesmo durante o sexo eles discutem e dormem separados: ele, no banheiro, e ela, na cama sozinha.


Uma das melhores sequências, aquela que apresenta certo grau de sensibilidade estética e narrativa incomparável, é o paralelo traçado entre o casamento e a grande briga do casal. Dois momentos distintos, marcadamente passionais: as lágrimas que antes eram de alegria, se transformam em lágrimas de tristeza e desespero. Cindy grita que não sente mais nada por Dean.


Cena do filme Namorados para sempre/Divulgação

Um elemento que colabora sobremaneira para a construção dessa história diante do espectador é a bela fotografia pensada por Andrij Parekh. As cenas do passado feliz e romântico dos protagonistas são coloridas e claras – como que se, no início, as cores e a luz banhassem o casal. No presente, porém, as sequências são azuladas, cinzentas e escuras – denotam em si a tensão e a tragicidade presentes na interação entre Cindy e Dean.


As atuações de Michelle Williams e Ryan Gosling também merecem grande destaque. Os dois jovens atores transparecem uma naturalidade que consegue incomodar o espectador, pois a sensação é de que aquela história contada na grande tela pode acontecer com qualquer pessoa envolvida em uma relação amorosa. Michelle Williams foi inclusive indicada ao Oscar de melhor atriz, devido a esse papel. O diretor Derek Cianfrance soube explorar muito bem a qualidade da atuação de Michelle, pois é o rosto dela que indica as maiores evidências da derrocada desse relacionamento: a frustração, a solidão e a agonia estão presentes ali. Há uma mudança na utilização dos enquadramentos que torna mais nítida essa transformação do casal. As cenas do presente são, em sua maioria, closes – o quê ressalta as feições cansadas dos protagonistas e transmite uma sensação de sufocamento. Já o passado é retratado com planos abertos, que mostram os locais e as pessoas como um todo – proporcionando um sentimento de liberdade e aconchego.


Namorados para Sempre não é reconfortante e feliz. O filme narra a dificuldade humana de manter laços amorosos, discute a incomunicabilidade que pode se fazer reinar sobre uma relação e a frustração com o outro que pode nascer através da convivência prolongada. Não espere sair do cinema tranquilo.


Cartaz do filme/Divulgação





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