27 de jul. de 2011

Um buraco na parede. Com vista para dentro de si mesmo

Por Karen del Mauro

Até que ponto a busca por segurança e privacidade não se confunde com um isolamento voluntário que nos priva de desfrutar a vida enquanto nos distraímos com ilusões compradas? O argentino O Homem ao Lado, de Mariano Cohn e Gastón Duprat, é um soco no estômago. Uma comédia dramática que mostra a conhecida briga entre vizinhos. O filme faz graça com a inabilidade para resolver conflitos quando se vive em um mundo egoísta em que “o outro” passa despercebido. Mesmo quando ele mora ao lado.

Cena do filme O Homem ao Lado/Divulgação


Leonardo (Rafael Spregelburd) é professor e designer. Rico e mundialmente conhecido pela criação de uma cadeira premiada em diversos concursos, ele vive na casa Curutchet, a única construída na América Latina pelo arquiteto suíço Le Corbusier. As cenas mostrando o imóvel, considerado um marco no Modernismo, são um verdadeiro elogio à Arquitetura em uma habitação funcional e de estética clean. Situada em La Plata, na Argentina, a construção atrai turistas que fotografam a residência e sua fachada de vidros e grandes janelas. A casa, recheada de objetos e utensílios modernos e arrojados, apresenta linhas retas e impessoais. Nesse cenário, o esnobe morador pretende levar sua vida disfarçando os problemas de entendimento com a filha adolescente, que passa o filme muda escutando música com seus fones de ouvido, e a relação superficial e fria com a mulher. Até o momento em que uma reforma feita pelo vizinho que mora nos fundos do imóvel abala esse cotidiano.


O vizinho Victor (Daniel Aráoz) abre um buraco na parede para construir uma janela. Ele explica que quer apenas uma entrada de luz solar em sua casa. Leonardo, porém, sente-se completamente invadido com a construção, que possibilitaria àquele estranho observar o interior da casa, acompanhando a sua intimidade e a de sua família. Esse sujeito tão oposto ao designer se mostra não o homem ao lado, mas o homem atrás: enquanto Leonardo desfruta de tecnologias e conforto, o vizinho mora em uma residência modesta com o tio doente. Mas Victor é uma figura completamente carismática e forte, colocando-se à frente de Leonardo que, ao longo da narrativa, mostra-se um homem patético. O designer gosta de exercer sua hierarquia criticando severamente seus alunos, sendo rude com a imprensa e os curiosos que querem ver a residência; porém, se comporta como um menino amedrontado frente à figura rude do vizinho.


Incapaz de solucionar o impasse com bom senso e um pouco de flexibilidade, Leonardo se deixa manipular pela esposa levando a discussão adiante enquanto tenta mostrar para ela uma superioridade e controle da situação. Nas conversas com o vizinho, a câmera tremida vai no ombro do designer, mostrando sua gagueira e medo daquele homem desconhecido que impõe sua presença com o som das marteladas e as conversas inesperadas na “janela” em construção. As atitudes do excêntrico vizinho fazem o público duvidar se ele é apenas um homem simplório ou algum louco perseguindo Leonardo. Seria ele agressivo? Algum psicopata?


As diferenças e semelhanças entre os dois homens são conduzidas de forma inteligente percebendo como situações triviais poderiam ser resolvidas com um pouco de boa vontade quando, na verdade, são mantidas em nome de privilégios e uma suposta superioridade. Leonardo quer sua privacidade, mas espia o vizinho no escuro. Vive em uma casa de vidros não pela sua urbanidade, mas para exibir o nome do famoso arquiteto que assina a construção. É preciso que um estranho quebre um buraco na parede para que o designer olhe para si mesmo e questione sua vida. Como a sua cadeira premiada (cara, porém fria e questionavelmente confortável), Leonardo vive em um mundo fechado. O filme é uma crítica social que questiona os valores atuais e a busca por segurança e privacidade que nos protege das ameaças da sociedade. E também de nós mesmos.

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