8 de ago. de 2011

Gente de família

Family Guy desafia a lógica e conquista com críticas carregadas de humor

Por João Ricardo Gazzaneo e Renata Lohmann

Um patriarca gordo e sem discernimento, uma mãe dedicada e de passado questionável, uma filha impopular e ridicularizada pela própria família, um filho preguiçoso e pouco brilhante, um bebê de sexualidade ambígua que tenta matar a própria mãe e um cachorro antropomórfico alcoólatra de inteligência superior a de seus donos. A fórmula excêntrica conquistou milhões de fãs pelo mundo e se consolidou como grande sucesso da televisão mundial.

Série de animação usa o humor para criticar a cultura norte-americana/www.familyguy.com.br

Family Guy, ou Uma Família da Pesada, como foi traduzida no Brasil, é uma série de animação que usa fortemente o humor escrachado para criticar a cultura norte-americana. As histórias que os personagens vivenciam e nas quais estão inseridos caem quase sempre no deboche e na autocrítica ao tradicional american way of life. Para a professora de comunicação da UERJ, Fabíola Calazans, esse é claramente o modelo adotado pela série.


– É explícito o uso de paródia e sátira para abordar a narrativa dessa família patriarcal estadunidense da classe média – explica ela.


O sitcom foi criado por Seth MacFarlane em 1998, quando teve seu episódio piloto exibido pela Fox. A primeira temporada foi ao ar em 1999, e a segunda no ano 2000. No ano seguinte, a emissora anunciou o cancelamento da série. Sob protestos de fãs, ainda houve uma terceira temporada, exibida irregularmente entre 2001 e 2004. Novamente os fãs se manifestaram, inclusive com petições online, mas sem resultados.


O que trouxe Family Guy de volta à tela foram os bons índices de audiência das reprises no canal Adult Swim e os elevados números de DVDs vendidos – cerca de 2,2 milhões de cópias em um ano. Com isso, a quarta temporada estreou em 2005 e, após o seu final, teve contrato acertado com a Fox até 2012, recentemente renovado até 2015.


Ao longo de seus 13 anos, a série coleciona inúmeras críticas, positivas e negativas. A revista especializada Empire elogiou seus roteiristas pela criação de momento hilariantes com “um material improvável”. Segundo a revista, o sucesso de Family Guy se constrói sobre o fato de nada ser “sagrado”, e as piadas e sátiras serem feitas sobre qualquer assunto. Segundo a The TV Critic, o sitcom é "um tipo diferente de comédia de animação que claramente se propõe a fazer piadas que outros desenhos animados não podem fazer".


Exatamente pela irreverência e pela falta de medo em abordar assuntos polêmicos, a animação foi alvo de ataques. Grupos de pais e religiosos chegaram a pedir o fim de sua exibição pelo deboche a símbolos sagrados. Instituições e figuras públicas também se manifestaram contra o programa após a abordagem de temas como HIV e síndrome de down.


Uma família de peso
Family Guy mostra o cotidiano de uma família disfuncional de classe média da região da Nova Inglaterra, no nordeste dos Estados Unidos. Cada episódio se constrói em cima do conflito de um dos personagens em relação a outro ou a agentes externos, muitas vezes personalidades conhecidas da cultura norte-americana.


O personagem principal, Peter Griffin, é o patriarca da família. Como homem da casa, trabalha fora e é machista. Tem a moral desvirtuada, mas no fim acaba sempre tomando “a decisão certa” para o bem da família. A esposa, Louis, é herdeira de uma família milionária, mas abriu mão do conforto para viver com o homem que ama, mesmo contra a vontade do pai. Ela é quem tenta dar um ar de normalidade à família, mesmo com um passado que envolva orgias e uso de drogas. Da união, nasceram três filhos. Meg, a filha adolescente, é rejeitada pelos colegas e, principalmente pela própria família – sofrendo bullying dentro de casa. Chris é uma criança em corpo de adolescente, de pouca inteligência e, em muitos detalhes, um retrato do pai.


Os dois últimos personagens da família Griffin merecem um destaque especial. Ambos conquistaram aos poucos tanto espaço quanto o protagonista Peter. Stewie é terceiro filho do casal: um bebê com uma cruel personalidade adulta, sotaque britânico e sexualidade ambígua. Ele ganhou relevância na história junto ao último membro da família, o cachorro Brian. Andando em duas patas, com comportamento humano e alcoólatra, o cão é o membro de QI mais alto da família Griffin.


Criticando
Muitas questões polêmicas já foram levantadas ao longo da série. Algumas discutidas, outras ridicularizadas, outras apenas apresentadas em algum contexto. Religião, política, comportamento, produção cultural, entre outros, são assuntos recorrentes.


Para exemplificar, em um episódio Louis aceita servir de “barriga de aluguel” para um casal que não conseguia ter filhos. Os dois morrem em um acidente e a mãe Griffin passa a se questionar sobre ter ou não a criança. Em meio a todas as piadas contidas em um episódio de Family Guy, temos a discussão do aborto. O assunto é tratado da forma mais leve possível, sem julgamentos ou preconceitos, e os roteiristas aproveitam para tomar uma posição e criticar os grupos radicais anti-aborto.


A pedofilia é tratada de forma satírica. Herbert, um dos personagens que aparece esporadicamente, é um idoso que arma situações para atrair jovens ao seu convívio. Ele nutre uma paixão platônica por Chris, que não fica explícita para o jovem, mas para o espectador. O tema, usualmente abordado de forma densa, ganha um tom de humor na série.


O programa faz, ainda, referência a inúmeros filmes e outros seriados, parodiando muitos deles, como nos especiais de Star Wars. Neles, a história original é recontada de forma satírica, tendo como personagens a família Griffin. Celebridades da cultura norte-americana também fazem “participações” na série, muitas vezes aparecendo como caricaturas de si mesmos. A jovem cantora Miley Cyrus, a Hannah Montana que mobiliza legiões de crianças e adolescentes pelo mundo, por exemplo, é mostrada como um robô programado para fazer sucesso.


A política norte-americana também entra em debate. Os republicanos são alvo fácil das críticas e Seth MacFarlane. Em um episódio, o cão Brian, reconhecidamente um liberal, se deixa seduzir por argumentos conservadores, abordados com ironia. O presidente Bush seguidamente é ridicularizado por sua postura. A guerra do Iraque, bem como o nacionalismo cego dos estadunidenses, também são criticados. O filho do policial Joe, Kevin, inclusive morre em combate.


Estereótipos de negros, judeus, homossexuais, asiáticos, gordos, jornalistas, astros da música, enfim, podem causar desconforto em alguns, inclusive chegando ao exagero, mas é inegável a forma inteligente e crítica como são tratados. E esse é um dos segredos do sucesso de Family Guy: não ter medo da crítica e por em xeque ideias já preconcebidas pelo público. Assim diz um grande fã dos Griffin, o estudante Guilherme Justino:


– Family Guy é meu seriado favorito porque tem um humor ácido, faz referências a filmes e outros programas conhecidos, temas não discutidos e é muito engraçado. Não tem aquela preocupação com o "socialmente aceitável" que Os Simpsons, por exemplo, tem.

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