20 de jul. de 2011

Coral da Ufrgs: patrimônio cultural da universidade

Por Julia Machado e Mariana Gil

Berço de inúmeros profissionais da música como regentes, compositores, arranjadores, instrumentistas, preparadores vocais e cantores reconhecidos nacional e internacionalmente. Mais de 1000 apresentações realizadas, qualidade técnica legitimada por inúmeros prêmios e uma história ainda desconhecida para muitos alunos da universidade. Este é o Coral da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, que no dia 13 de agosto de 2011, completará 50 anos de uma trajetória cultural que ultrapassou problemas, superou mudanças e levou o nome da UFRGS para os mais diversos palcos no Brasil e no mundo.

Crédito: Mariana Gil



Fundado em 1961, o coral nasceu de uma parceria entre o maestro da OSPA, Pablo Komlós, e o reitor na época, Elyseu Paglioli. A idéia era formar um coro para atuar junto à Orquestra Sinfônica de Porto Alegre e atrair o público jovem em concertos realizados na universidade. O próprio maestro Komlós percorreu todas as unidades da UFRGS convidando os alunos para fazerem parte do projeto. Uma centena de estudantes aceitou o convite.

Na mesma data, por sugestão do reitor, os novos cantores criaram a Associação Artística Coral Universitário do Rio Grande do Sul - Coral da UFRGS. Paglioli acreditava que a associação daria mais agilidade de ação ao grupo, assegurando o apoio da universidade. E foi com a ópera “Aida”, de Verdi, que em sua primeira apresentação no Salão de Atos, o então coro sinfônico da UFRGS emocionou uma platéia curiosa e ainda desconfiada. Um sucesso que conquistou a sociedade portoalegrense.

Durante a década de 60, sob a regência de Pablo Komlós, o coral participou dos principais espetáculos musicais levados da capital, como “Aida” e “Requiem” de Verdi, “Carmina Burana” de Carl Orff, “Tanhauser” de Wagner, “Rei David” de Honneger, “Nona Sinfonia” e “Fidelio” de Beethoven, “Madame Butterfly” e “Tosca” de Puccini, “Alexander Nevski” de Prokofieff e “Noneto” de Villa Lobos. Além disso, apresentou-se também nas inaugurações do Teatro Guaíra de Curitiba em 1962 e do Auditório Araújo Viana de Porto Alegre em 1964, bem como no Teatro Sodre de Montevidéu em 1964 e no Theatro Municipal do Rio de Janeiro em 1970. Foi nessa época de ouro que entraram para o coral as então estudantes Neiva, da biblioteconomia, e Doréte, da educação física, a convite de dois integrantes (da época) que continuavam o trabalho iniciado por Komlós de chamar os alunos de sala em sala nas faculdades. O ano era 1968. As duas, juntamente com a amiga Marília, que entrou para o grupo em 1973, quando estudante de direito, são as cantoras mais antigas em atividade até hoje e guardam com carinho boa parte da memória do grupo. “Um dia apareceram lá dois rapazes dizendo que estavam visitando as faculdades convidando todo mundo para cantar, e aquele dia era do nosso curso. Logo começamos a ensaiar a Nona Sinfonia” lembra Neiva.

No ano de 1969, o coral mudou de rumo e passou a dedicar-se à música “a capella”. “Éramos quase cem cantores. Mas a gente passava o ano inteiro ensaiando uma música para cantar uma ou duas vezes. Aí surgiu a idéia de formar um outro coro para cantar ‘a capella’ (sem nenhum acompanhamento instrumental, apenas vozes). Então nós éramos um coro sinfônico cantando com a OSPA, e um ‘a capella’ com outro regente”, recorda Doréte. Naquele momento, sob a batuta do maestro Nestor Wennholz, era hora de testar a versatilidade musical do grupo inicialmente concebido para interpretar obras sinfônicas, e abranger no repertório peças de todas as épocas e estilos musicais - renascentista, barroco, contemporâneo, popular, folclore nacional e internacional. Até 71, muitos dos coralistas cantavam nos dois coros (no coro sinfônico, acompanhando a OSPA, e no coro a capella), até que a OSPA criou um coral profissional. “Aí nós nos desvinculamos”. Ainda segundo a coralista Doréte, foi aí que nasceu o coral da UFRGS, que desde então só realiza concertos em parceria com a Orquestra e Coro Sinfônico de Porto Alegre, como convidado.

Além das modificações no repertório, o grupo precisou superar outros problemas, como a diminuição no número de cantores e até a falta de um local para os ensaios. Doréte lembra que o grupo chegou e fazer seus ensaios no Parque da Redenção e do bar da Faculdade de Medicina. “Nós não tínhamos lugar pra ensaiar, estávamos naquele período de ditadura, né, e aí uma vez ou outra a gente teve que fazer isso para não deixar de ensaiar”. Mesmo com a falta de incentivo, o pequeno grupo começou a sentir a concretização de seus esforços, que vieram a se traduzir na receptividade do público e no reconhecimento através das premiações conquistadas.

Em 1969 e 1970 o grupo venceu dois concursos estaduais realizados em Pelotas. Em 1973, gravou seu primeiro disco LP patrocinado pela Universidade e viajou pelo Brasil alcançando sucesso de público e crítica. Dentre as melhores lembranças para as cantoras fundadoras do grupo está o ano de 1978, quando o Coral da UFRGS venceu o II Concurso Nacional de Corais promovido pelo MEC-FUNARTE-INM - Rede Globo, no Rio de Janeiro, o maior já realizado no Brasil para coros adultos mistos “a capella”, recebendo do júri, na fase final, a nota máxima por unanimidade. Cem coros de todo o país participaram do concurso. Diante da grande conquista, a universidade realizou um concerto comemorativo, onde cada integrante do coro foi homenageado com Medalha de Honra ao Mérito. “Nós vínhamos fazendo um trabalho muito bom, já tínhamos um repertório bastante abrangente” destaca Doréte. A cantora Marília lembra que o prêmio foi um retorno do amadurecimento do grupo alcançado na época. “Nós tivemos duas viagens que solidificaram muito o grupo. Em 73 nós fizemos todo o nordeste, Minas e São Paulo. Cantamos no Museu de Arte Moderna. Viajamos um mês. Então o coro ficou muito coeso e o repertório amadureceu. Em 78 estávamos no auge”.

As três também recordam com saudade dos tempos em que Porto Alegre sediava grandes encontros de coros, que permitiam que o Coral da Ufrgs trocasse experiências e buscasse alcançar a mesma qualidade dos grandes coros. “Hoje não há mais isso.” Elas também acreditam que a falta do movimento dos festivais de coros contribui para a falta de visibilidade da atividade atualmente. “Tudo era feito no Salão de Atos, atraía o público da universidade”.
Crédito: Mariana Gil
O coral da UFRGS hoje

Assistir ao ensaio do coral da UFRGS hoje é conhecer um grupo totalmente heterogêneo unido pelo amor à música. Cerca de 30 cantores se dividem em baixos, tenores, contraltos e sopranos que não necessariamente tem experiências anteriores em canto coral. São idades, estilos e profissões diversas, alunos da UFRGS ou não, funcionários, aposentados e membros da comunidade, todos sob a regência do jovem maestro Lucas Alves e da preparadora vocal Cíntia de Los Santos. Esse é o grupo que mantêm vivo o gosto pela música de todos os tempos e que tem por objetivo maior levar a música coral para todos os segmentos da população.

Os coralistas se reúnem para ensaiar duas vezes por semana no instituto de Artes e no anexo I da reitoria. Toda a administração é feita pelos próprios cantores, eleitos de forma democrática pelo grupo para atuar na diretoria da associação criada há 50 anos. A cada ano, novos cantores preenchem os cargos de diretoria promocional, artística, social, administrativo, expediente, tesoureiro e conselho fiscal. A diretora-presidente da atual gestão é a soprano Rosiane Pontes, formada em Ciências Sociais pela UFRGS e aluna de fonoaudiologia na FFFCMPA - Fundação Faculdade Federal de Ciências Médicas. A Rosi, como é conhecida, explica que o papel da diretoria é servir como meio de comunicação entre a universidade e os coralistas, já que o coral um projeto de extensão. Também cabe à diretoria, toda a burocracia e organização necessárias ao grupo. “Nosso papel é mediar a relação entre a universidade - local em que um tipo de conhecimento é produzido - e a comunidade – que é receptora desse conhecimento”.

Além disso, Rosiane reforça que fazer parte da diretoria do coral agrega conhecimento e que a satisfação ao final de um período em que muitas atividades foram organizadas e pensadas em conjunto é ímpar. “É uma experiência pela qual todo(a) coralista deve passar”.

A diretoria também é responsável pela organização dos testes de seleção para os novos cantores, que acontecem sempre no início do ano. Para ingressar no grupo basta ter vontade de cantar e se inscrever pelo site. Os testes são realizados pelo maestro Lucas e pela preparadora vocal Cíntia.
Após a aprovação, o novo coralista está apto a freqüentar os ensaios e aprender as peças para realizar o teste de efetivação, que deve ser feito após um período de três meses de adaptação. Somente depois desse teste, o coralista passa a ser membro efetivo da associação, com poder de voto e deveres estabelecidos no estatuto. Mas o teste não é nada de muito assustador: o cantor deve escolher três peças do repertório para cantar em quarteto, ou seja, uma soprano é testada cantando sozinha, acompanhada de uma contralto, um tenor e um baixo, já efetivos no coral. Segundo os novos integrantes que realizaram o exame em 2011, é um momento bastante tenso, mas muito emocionante.

O Coral da UFRGS é muito receptivo aos novos integrantes. Os próprios cantores gostam de dizer que além de colegas que se encontram nos ensaios, muitas grandes amizades, boas festas e até casamentos nasceram durante a convivência. Marilia, Doréte e Neiva, que o digam. São mais de 40 anos de amizade. “O bacana é que tantas pessoas passaram pelos bancos do coral, e a gente continua amigo de todo mundo” declara Marília. “No aniversário da Neiva a gente sempre se reúne e canta as músicas de Natal” conclui. “A gente tem muitas amizades de muito tempo. Isso é muito legal no nosso grupo. A gente se telefona, conversa, mantém a harmonia”, acrescenta Neiva. Doréte afirma que o coral da Ufrgs é uma oportunidade de fazer um elo de amizade. “Muita gente que vem de fora da cidade, até em função da universidade, procura o coral, muitas vezes por indicação de antigos coralistas que falam bem do grupo”, afirma Doréte.

Mais do que agregar novos cantores, o grupo agrega novos amigos, novas personalidades e experiências de vida. Um grupo que congrega a diversidade em nome de um bem comum: a música. Talvez seja esse motivo pelo qual o coral da UFRGS, em seus 50 anos de existência, tenha se tornado um patrimônio cultural de todos os gaúchos e principalmente um dos grandes responsáveis pela divulgação da atividade artística da Universidade.
Crédito: Mariana Gil



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