22 de jul. de 2011

A caminho da Montanha do Sol

Por Anelise De Carli

Quando o jornalista Cristiano Bastos fez uma entrevista com Zé Ramalho, conheceu uma das histórias mais fantásticas da música brasileira. A publicação na Rolling Stone de abril de 2009 daria vida ao documentário que estreou no festival In-Edit 2011, ainda em processo de finalização. Nas Paredes da Pedra Encantada. Para realizar o road movie, Cristiano chamou Leonardo Bomfim, pesquisador da psicodelia brasileira e das fronteiras no cinema entre documentário e ficção.

Making of do filme/ Crédito: Flora Pimentel


A produção brasileira viaja pelas lendas do mítico disco Paêbirú: Caminho da Montanha do Sol – gravado em 1975 por Zé Ramalho e Lula Côrtes –, passando cerca de três meses na terra natal dos dois artistas, Pernambuco e Paraíba. O LP é um marco do udigrudi, movimento da contracultura nordestina na efervescente década de 1970, que mesclando influência do rock progressivo com o misticismo oriental, ficou quase desconhecido para o resto do Brasil. As músicas são um mergulho nas lendas acerca do sítio arqueológico da cidade do Ingá, no interior paraibano, e na inventividade musical de Lula e Zé. 

Metidos numa kombi com duas câmeras, a equipe do filme leva Lula Côrtes de volta às pedras encantadas do Ingá, em busca da história dos personagens que fizeram parte da produção do vinil. Na viagem desse ‘pobre-star’, tal como brinca Lula na gravação, é perceptível que a presença desse personagem carismático alterou o plano dos diretores. A produção, que pretendia celebrar os mistérios dessa obra-prima esquecida da música brasileira, transforma-se numa homenagem a Lula Côrtes, artista pernambucano multifacetado, que conquista por sua personalidade ímpar e passa a conduzir a história. Numa sincronicidade, Lula morre um mês antes da estreia do filme. 

Conversando com o cartunista Lailson de Holanda, o artista visual Raul Córdula, a cineasta Kátia Mesel (esposa de Lula Côrtes na época) e os músicos Hugo Leão e Alceu Valença, entre outros personagens, o documentário investiga o cenário cultural da ponte entre Recife e João Pessoa na época, através de depoimentos divertidíssimos e optando por uma lentidão no olhar – cada um dos entrevistados aparece somente uma vez no filme, em planos-sequência de quase 20 minutos. A impressão é a mesma de quando se escuta um LP: cada faixa tem o seu momento de apreciação, com sua magia única; e para ouvirmos a próxima música, é preciso escutar a anterior até o final. Para o diretor Leonardo Bomfim, a influência do cinema observador de D.A. Pennebaker é fundamental : “queríamos não apenas entrevistar, mas olhar para as pessoas”.

Making of do filme/ Crédito: Flora Pimentel
Zé Ramalho não quis participar do resgate da história e não comenta publicamente sobre o assunto. Isso porque o disco cuidadosamente elaborado não recebeu atenção na época do lançamento. Lula Côrtes conta no filme que um dos motivos mais importantes é que o Estúdio Rozemblit no Recife, com os discos recém saídos do forno, foi atingido por uma enchente que destruiu quase todas as cópias do vinil duplo. É por isso que hoje o preço médio de comercialização de uma das 300 cópias restantes do Paêbirú original desbanca o raro primeiro LP de Roberto Carlos, atingindo o valor de 4 mil reais. Mas uma cópia da bolacha pode ser encontrada a preço mais acessível: em comemoração aos 30 anos da obra, o selo europeu Mr. Bongo relançou o disco sem a autorização dos artistas e sem o encarte original que continha descrições geológicas da Pedra e o rico trabalho gráfico de Kátia Mesel.

Apesar das limitações orçamentárias (os cerca de 30 mil reais investidos foram pagos do bolso dos diretores), o filme ganha pelo respeito à riqueza da história. Muitas histórias rondam a Pedra do Ingá, um dos sítios arqueológicos mais importantes da América. E o filme não arrisca desvendar esse mistério, a opção do documentário é preservar a sacralidade da inspiração para Paêbirú. Os moradores do agreste da Paraíba não poupam versões para a origem das inscrições milenares. Cenas simples como a de Lula tocando seu tricórdio (instrumento inventado por ele e inspirado na cítara marroquina) em cima da Pedra, ou com uma fogueira à beira do mar recompõem o ambiente humilde e inventivo daquela geração.


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