14 de jul. de 2014

Um conto de fadas moderno

Foto: Reprodução

Por Diego Paz



Não há forma predefinida de contar uma história. Da literatura ao cinema, cada mídia tem uma linguagem própria e um estilo narrativo diferente, conforme suas características. No caso, a filial de Montreal da gigante produtora Ubisoft escolheu o videogame como plataforma para narrar um verdadeiro conto de fadas: Child of Light.





O jogo conta a história do reino de Lemuria, sucumbido na escuridão, e a jornada da pequena Princesa Aurora para libertá-lo. Como o próprio título sugere (“Criança da Luz”), a atmosfera de escuridão de Lemuria contrasta com a luz proveniente de Aurora. Se o embate entre Bem e Mal, Escuridão e Luz não é exatamente algo novo, o game se sobressai por seu acabamento. Baseado em jogo de plataforma 2D com elementos de RPG, como as batalhas em turnos – com uma característica particular que torna a batalha mais estratégica – e o aumento de nível com o acúmulo de experiência, Child of Light encanta por seus atributos artísticos e poéticos. Com um estilo muito mais próximo de indies games produzidos como Limbo e Braid, que apostam mais na originalidade, Child of Light foi lançado para os consoles de última geração (PS3, PS4, Xbox260, XONE) e PC.

Nunca antes na história dos videogames se tornou tão lucrativo – e fácil – a produção de jogos. Justamente por isso, a última geração de consoles tem recebido uma quantidade enorme de jogos todos os anos, de grandes produtoras e de independentes. Além disso, devido aos avanços tecnológicos na indústria, o videogame ganhou em qualidade gráfica e sonora, evidentemente, porém, mais que isso, ganhou em possibilidades de criação e em jogabilidade.

Imensos “mundos abertos” exploráveis que podem entreter o jogador por meses, comandos acionados por movimentos, gráficos com milhões de polígonos capazes de representar com perfeição a expressão humana são algumas das características possíveis de encontrar em games de última geração. Muitos são os que impressionam pela definição gráfica e pela jogabilidade complexa; tantos outros, pela originalidade e pela simplicidade. Em meio aos games “blockbusters” recentemente lançados como Watchdogs, Titanfall, Metal Gear: Ground Zeroes, surge Child of Light.

Na abertura Child of Light já revela sua natureza e através de uma sequência de vitrais é narrada a história de Aurora: princesa austríaca, órfã de mãe, que cresceu inseparável do amor do pai; este, sentindo-se sozinho, pretende dividir o amor do seu coração e se casar. Em certa noite, sem explicação aparente, a princesa ao adormecer morre e seu corpo desaparece. Porém (na verdade) ao invés da morte, a criança acorda em terras distantes.

A aventura começa com a protagonista, a Princesa Aurora, despertando em um altar no meio de uma escura floresta. Aos primeiros passos caminho adentro da floresta, enquanto a confusão de Aurora sobre seu paradeiro aumenta, surge aqui e ali na tela alguns dos monstros os quais a princesa enfrenta. Próximo a uma árvore de folhas rosadas, quando a princesa padece de desespero, ajoelhada e implorando para acordar do seu pesadelo, surge o guia que a ajudará durante o jogo: Igniculus, um vagalume falante, mais parecido com a fada de Zelda: Ocarina of Time, jogo da Nintendo.

Ao contrário da mística fada do famoso jogo da Nintendo cuja única função era servir de tutorial ao jogador, o vagalume Igniculus pode ser controlado juntamente com Aurora, para iluminar os caminhos escuros ou para coletar “desejos” de folhas (os quais restauram tanto o poder luminoso do vagalume quanto as barras de energia e magia de Aurora). Igniculus, então, guia Aurora para o encontro com a Senhora da Floresta, espírito protetor de Lemuria e, no caminho, encontra a arma usada pela protagonista.

Eis que verdadeiramente começa o jogo, quando Aurora empunha a espada e lhe permite lutar com os obstáculos a frente. A desesperada princesa, com a companhia de Igniculus e armada com a espada, torna-se a improvável heroína. Aí, também, que é apresentado o sistema de batalha baseado em turnos, clássico dos RPGs. Ao entrar em contato direto com algum dos monstros que habitam Lemuria, o jogo entra em modo de combate dividindo os monstros de um lado e os heróis de outro. Aqui os comandos não são usados para mover o personagem, só para atacar, defender ou fugir. Uma barra no centro inferior da tela progride de acordo com a velocidade de cada personagem e quando é totalmente carregada, executa a ação escolhida. Nesse momento, Igniculus assume um importante papel estratégico nas batalhas. Controlando o vagalume é possível usar sua brilhante luz em um dos oponentes para retardar a velocidade com que o adversário progride. Contudo essa habilidade não é infinita, o que exige do jogador decidir quando é melhor usá-la.

O jogo ganha os contornos definitivos com a habilidade mais que libertadora e a qual é possível apreciar ao máximo os encantáveis cenários. Após o encontro com a Senhora da Floresta, Aurora é presenteada com asas de fadas e ganha a possibilidade de voar. Tal habilidade permite explorar acima das árvores e o céu, com a devida atenção para não ser pego de surpresa por algum dos monstros voadores – o contato de um monstro pelas costas permite que os adversários, no confronto, saiam na frente para atacar primeiro.

O roteiro segue de forma natural e cadenciada, sem grandes obstáculos. Não é proposta do jogo, algo comum em RPGs, a necessidade de retornar a lugares já visitados para enfrentar monstros fracos de forma a ganhar experiência, para derrotar os mais fortes logo a frente. Também, os puzzles encontrados são intuitivos e não exigem soluções mirabolantes a ponto de frustrar o jogador. O jogo se propõe mais à apreciação do que a frustação e não impõe muitas dificuldades, o que pode desagradar àqueles gamers mais experientes. Com apenas os chefes como real dificuldade, o jogo prossegue e Aurora ao longo de sua jornada ganha experiência, novos poderes e alguns companheiros, cada qual com habilidades específicas, que ajudam-na na tarefa de livrar Lemuria dos monstros até o inevitável combate com a Rainha das Sombras, que roubou o sol, a lua e as estrelas e afundou o reino em trevas.

Embora pareça se tratar de uma história de heroísmo, na verdade, é muito mais sobre desespero e esperança. Um reino inteiro dominado pela escuridão, sem sol, lua ou estrelas, mas uma pequena luz surge para salvá-lo. Os habitantes de Lemuria – dos roedores comerciantes aos gnomos amaldiçoados a permanecerem como pássaros – se agarram ao ponto de luz e esperança (Criança da Luz) para lutarem contra o terror que os domina.

Child of Light não se destaca por ser o jogo mais longo (dura em torno de 10 horas) ou difícil. Sua verdadeira força está no acabamento, nos pequenos detalhes e na história. Os elementos do jogo contribuem para o envolvimento do jogador ao game e para os contornos da história. O design visual de todo o jogo, dos personagens ao cenário de Lemuria, parece desenhado a mão, dando aos gráficos um tom mais artesanal e artístico, mas nem por isso menos detalhado. A animação de Aurora, principalmente do voo, é singular e a física dos movimentos da personagem são acompanhados pelo esvoaçar do vestido e dos longos cabelos rosas. A trilha sonora é um caso à parte. Composta pela Coeur de Pirate, pseudônimo da pianista canadense Béatrice Martin, a música orquestral e o piano da musicista dão o tom emocional do jogo e combinam com a atmosfera melancólica. Talvez uma das características mais marcantes junto aos gráficos, os diálogos e a narração são milimetricamente ritmados e rimados, conferindo à história um teor poético-literário. E mesmo na versão em português (o jogo é originalmente em inglês) não se perde tanto com a tradução.

Child of Light pode não ser o jogo mais inovador do ano ao propor a mistura de elementos de dois gêneros diferentes, mas é o mais envolvente e cativante. Child of Light é menos complexo e requer menos habilidade, mas nem por isso dispensa a atenção do jogador. Antes mesmo de ser um jogo, é uma história a ser ouvida, vista e sentida.

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