14 de jul. de 2014

O velho Garagem

Foto: Reprodução


Por Laura Pacheco dos Santos


Quem diria que um antigo casarão na Rua Barros Cassal poderia reunir tantas histórias e marcar uma geração de jovens porto-alegrenses dos anos 1990 e a cena underground da cidade? Reunindo um punhado desses causos, o livro A Fantástica Fábrica, escrito pelo jornalista Leo Felipe, conta os bons momentos e os percalços do clássico bar Garagem Hermética. Leo foi um dos primeiros donos do local e quando tinha somente 19 anos, em 1992, decidiu largar um bom emprego em um banco para abrir “o nosso próprio bar na falta de um melhor”. 


Logo no início, já tiveram que enfrentar a primeira dificuldade: encontrar uma casa em que o proprietário aceitasse ser transformada em um bar e que ainda tivesse uma boa localização. O único local disponível foi o antigo casarão na Barros Cassal, quase esquina com a Independência. A localização era perfeita, porém precisava de uma grande reforma e o dinheiro era curto, a solução foi deixar só um banheiro unissex com um vazamento que no final da noite deixava um riozinho de água bem suspeita e arrumar o piso com madeira barata, o que criou o efeito de “só não ruía porque balançava” característico do bar. 

O Garagem Hermética foi palco para os principais artistas e bandas gaúchas de rock da época, como Júpiter Maçã, Graforréia Xilarmônica, Ultramen e Space Rave, e realizou festas recheadas de música alternativa e drogas, como os bailões do CardosOnline e a festa eletrônica Fullmoon. Era, provavelmente, o lugar mais sem regras da cidade naquela época: sem respeito à lei do silêncio, com uma acústica péssima e o som sempre no último volume. Não tinha autorização para utilizar o jardim que ficava nos fundos, onde acontecia o festival Cinemeando, com projeções de curtas independentes e filmes pornôs, fato que despertava a ira dos vizinhos, que jogavam objetos no pátio para parar com o barulho. Era também local de encontro de diversos grupos, dos punks, junkies, hippies, metaleiros e por aí vai.

A Fantástica Fábrica é o terceiro livro de Leo Felipe, antes escreveu os livros de ficção AUTO (2004) e O Vampiro (2006), e o seu primeiro não ficcional, porém algumas das histórias são tão surreais que parecem não serem verídicas. Como as duas vezes em que um dos frequentadores caiu da sacada do segundo andar ou quando em uma briga uma perna mecânica saiu voando e de início todo mundo pensou que era uma perna de verdade. 

Leo escreve de um jeito descontraído, contando de forma crua e sem romantizar a trajetória do Garagem, por muitas vezes tirando sarro de si mesmo, e mostrando descrições precisas das histórias. Não se intimida de falar sobre os problemas com as drogas, o tráfico, a polícia e dos vários percalços passados para manter o bar, como a falta de dinheiro e as constantes reformas. 

Até chegar ao resultado final, foram 10 anos relembrando e colocando no papel as memórias guardadas do “melhor e mais chinelo” bar, palavras do próprio Leo. Para finalizar, se recolheu na cidade de São José dos Ausentes para sair com os mais incríveis relatos do casarão. O livro é importante por fazer um registro de cenas que não são tão registradas na cidade, fazendo com que os leitores consigam se sentir naquela época e nas situações retratadas e trazendo para os antigos frequentadores um grande momento de nostalgia. 

Outros destaques são as ilustrações do artista Diego Medina, com um estilo psicodélico que complementam o visual e a atmosfera do livro, e o prefácio feito pelo escritor Daniel Galera, antigo frequentador do local e que dá um relato emocionado sobre o forte relacionamento que as pessoas tiveram com o bar. Ao final, o estilo de vida boêmio e sem regras, além do fraco retorno financeiro, fez com que o Garagem fosse vendido, marcando o final do bar que representou a contracultura na cidade e deixando muitos órfãos do local. Porém as suas histórias persistem até hoje e o livro consegue eternizar em palavras o seu legado em Porto Alegre.


A Fantástica Fábrica

Leo Felipe, Porto Alegre: Pubblicato Editora, 276 páginas, 2014






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