14 de jul. de 2014

“Em Família”: um fracasso para ser esquecido



Por Arlan Vargas


A atual novela das 21h não emplaca nem diante do público nem da crítica. “Em Família” está no topo do ranking das piores novelas que a Rede Globo já fez. Não se trata de uma opinião, mas de uma constatação a que a própria emissora chegou após aferir diariamente a audiência, cuja média já é a pior da história das produções globais das oito/nove horas, perdendo para “Salve Jorge”, até então o maior fracasso do horário. A audiência despencou dos 40 pontos na Grande SP, quando a Globo exibia a reta final de “Amor à Vida”, para índices inferiores aos 30 pontos. 



Houve uma rejeição inicial e a queda da audiência gerou dor de cabeça à emissora desde os primeiros capítulos. A produção teve que fazer ajustes logo na segunda semana – as três fases iniciais se tornaram duas depois de um ‘’aceleramento’’ da trama. A ideia de começar pelo passado dos personagens fez com que a produção tivesse que ser reapresentada para o público depois dos dez capítulos iniciais. Com isso, houve sequências descartadas e remontagens. O telespectador ficou confuso, demorou bastante a entender quem era quem. Tudo isso se refletiu na audiência. Posteriormente, os ajustes e o atraso na entrega de capítulos por parte do autor acabaram afetando boa parte das gravações, fazendo com que a novela ficasse com pouca frente de episódios. E como as cenas tiveram que ser editadas às pressas para entrarem no ar, os ganchos para os próximos capítulos simplesmente não existiram – cenas sem grande interesse encerraram a novela várias vezes. Como fidelizar audiência dessa forma? 

E não é só no quesito audiência que a novela não vai bem. Nas redes sociais a situação não é diferente. Nem mesmo cenas de sexo de Bruna Marquezine fizeram o público comentar sobre a trama de Manoel Carlos. Bem diferente de sua antecessora – “Amor à Vida” dominava as mídias sociais desde o primeiro capítulo graças ao desempenho do saudoso Félix (Mateus Solano). 

A emissora e o autor até que tentaram se esforçar – em vão – para levantar os números do folhetim com algumas guinadas que não estavam previstas na sinopse. Porém, “Em Família” já veio ao mundo morta. É incrível como erraram na escalação do elenco e isso é algo que realmente incomoda muito os telespectadores. O trabalho de Jayme Monjardim, diretor de núcleo, é daqueles para se omitir do currículo. As diferenças de idade entre os personagens no passado (primeira fase) e no presente são gritantes. Como concordar com o fato de que a personagem de Vanessa Gerbelli seja tia da personagem de Giovanna Antonelli? As duas têm praticamente a mesma idade. E Julia Lemmertz contracenando com Natália do Vale, que interpreta sua mãe? Na trama, Selma (Ana Beatriz Nogueira) é a irmã mais velha de Chica (Natália do Vale). Na vida real, Ana Beatriz tem 46 anos e Natália 60. Não há a menor condição!

A habilidade de Maneco em retratar dramas realistas, urbanos e contemporâneos esteve presente em tramas que ficaram marcadas na nossa lembrança – a troca de bebês em “Por Amor”; a superação da leucemia com direito à cena histórica de Carolina Dieckmann raspando os cabelos em “Laços de Família; e as relações de amor e ódio em “Mulheres Apaixonadas”. Mas, no folhetim atual, o estilo do autor não funciona. As sequências de “Em Família” são costuradas com diálogos irrelevantes e fora da trama principal, numa intenção de deixar as falas mais naturais. Só que gera o efeito contrário. A trama caiu num marasmo sem fim – cenas imensas com cafés da manhã, pessoas tomando água de coco, correndo na praia etc. Elas eventualmente servem para contar a história, mas, no geral, retratam acontecimentos avulsos, apenas marcando a pura existência dos personagens. E para quem estava acostumado com a velocidade dos acontecimentos das novelas antecessoras, logo se incomodou com esses diálogos longos e a lentidão da trama de Manoel Carlos. Mesmo repetindo histórias à exaustão, “Amor à Vida” – com 221 capítulos! – e a problemática “Salve Jorge” tinham capítulos mais dinâmicos, nos quais muitas coisas aconteciam ao mesmo tempo. Já na atual novela tudo acontece muito lentamente e poucas pessoas têm paciência com a trama – é quase um convite a dormir mais cedo, sendo arrastada e com uma história pouco condizente com a agilidade das produções recentes.

Os protagonistas – Helena (Julia Lemertz), Virgílio (Humberto Martins) e Laerte (Gabriel Braga Nunes) – também não conseguem empolgar o público. Não há tensão e nem química entre Helena e Laerte. Nada acontece entre eles. E Helena e Virgílio beiram à monotonia crônica. Isso enfraquece a história toda e o roteiro fica girando em falso. O público não se identificou com a Helena da vez nem conseguiu ter empatia por ela. Foi insossa a novela inteira, deixando o protagonismo para Luiza (Bruna Marquezine). Outro grande problema da trama é a repetição. Quantas vezes vimos Helena falando com Luiza que Laerte não presta, e Virgílio cobrando da mulher que ela esquecesse o passado? Como se não bastasse, o núcleo de humor não existe. As cenas dos velhinhos na casa de repouso são uma tentativa mal executada de fazer humor na novela, mas não funciona. É algo que fica ali de escanteio e, quando lembram, colocam no ar.

Na reta final, o autor tentou deixar a história mais movimentada e deu um fim à monotonia que virou uma das marcas desse trabalho. Clara (Giovanna Antonelli), finalmente, se decidiu e começou seu relacionamento com Marina (Tainá Muller). A trama delas, agora, ganhou novos conflitos e a preocupação sobre como contar ao filho que a mãe está namorando uma mulher deve garantir boas discussões. O comportamento mais obsessivo de Laerte promete movimentar as semanas finais da trama. Se, na terceira fase, o músico parecia um personagem completamente diferente do Laerte ciumento e impulsivo da juventude, agora, os dois já se mostram a mesma pessoa.Mas os noveleiros sentiram falta mesmo é de uma antagonista marcante – saudades de Flora (Patrícia Pillar) e Félix (Mateus Solano). A vilã Shirley (Vivianne Pasmanter) não cria as tensões necessárias para movimentar a história. Na primeira fase da trama, a personagem protagonizou a cena em que Helena se afogava e não buscava socorro. Com um sorriso no canto da boca, todos pensavam que na terceira fase a vilã faria barbaridades ainda piores. Obcecada por Laerte, até agora suas maldades se resumiram a fazer intrigas entre Helena e Luiza, vilanias de uma mulher com atitudes infantis. Assim, a novela deixa a impressão de que a Shirley do início da trama é completamente diferente da que estamos vendo no ar. Manoel Carlos não é adepto daqueles vilões clássicos; seus malvados são pessoas mais comuns com, digamos, alguns defeitos e um belo desvio de conduta. Mas transformar Shirley numa piada tirou o brilho da personagem que estava sendo a mais bem construída do início da história.

A novela também ganhou cenas de ação, o que parece ser um "pedido" da direção da emissora numa tentativa de melhorar a audiência. Alice (Erika Januza) e Luiza (Bruna Marquezine) foram feitas reféns por um suspeito de estupro – com direito a cenas de perseguição policial. A trama sofreu viradas e passou a ficar mais movimentada, mas algumas mudanças no perfil das personagens ficaram incoerentes. De repente, Helena vira uma mulher fatal, com direito a striptease para reatar o casamento. E a pacata fotógrafa Marina e sua assistente apaixonada Vanessa (Maria Eduarda de Carvalho) brigam com unhadas e puxões de cabelo. Não faz sentido.

A Globo tentou relançar a novela com um “novo” formato de chamadas, o de depoimento de personagens – Bruna Marquezine apareceu no ar chorando ao justificar a atração de sua Luiza por Laerte. A frequência das chamadas nos intervalos da programação também foram desesperadamente ampliadas. E como última tentativa, a emissora está aproveitando as partidas da Copa do Mundo para fazer incansáveis chamadas da novela. Para isso, colocou a responsabilidade nos narradores: “Luiza vai ter uma discussão com Laerte por causa da Shirley", antecipou Galvão Bueno durante uma partida. Manoel Carlos também tentou – com todas as suas armas – lutar contra a morte de sua trama atual. Mas mesmo com as alterações de última hora no roteiro, a última novela das 21h da carreira do autor não emplacou. A baixa audiência levou a cúpula da emissora a encurtá-la duas vezes – agora o final está previsto para 18 de julho. Com previsão de 143 capítulos, “Em Família” será uma das novelas das oito/nove mais curtas – a média de uma produção do horário é entre 180 e 200 capítulos. Até lá, a novela segue moribunda.

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