14 de jul. de 2014

BR1000

Foto: Lina Sumizono
Por Gabrielle de Paula

        

Você já pensou em alguma manifestação artística que contribuísse de forma educativa para a transformação social? Uma peça teatral que através da arte sensibilizasse as pessoas e provocasse mudanças de comportamento diante da diversidade sexual? Pois então, essa peça existe. Se chama BRTrans e vem deixando marcas por onde passa.

Contar histórias de pessoas que sofrem com a humilhação, o preconceito e a violência, diariamente. Esse é o objetivo do projeto encabeçado pelo coletivo “As Travestidas” e executado pelo ator e dramaturgo cearense Silvero Pereira. O espetáculo apresentado este ano, no teatro de Arena, em Porto Alegre, traçou no imaginário do público uma Br de norte a sul do país. Durante o monólogo, é a personagem Gisele, interpretada por Silvero, quem se encarrega de trazer o cotidiano das meninas marginalizadas pela sociedade. A cada nome pintado no corpo do artista, somos marcados pelas histórias de travestis e transexuais de todo o Brasil. Meninas vulneráveis às agressões silenciosas, mas também à violência sem piedade, em que o único refúgio é a prostituição. E que artista é Silvero! Que energia diante de uma plateia extasiada! Se Tony Tornado corria na Br3, Silvero voa na BrTrans. A mudança rápida de personagem vai de 0 a 1000 em um segundo, deixando quem assiste sem fôlego. O espaço contido do teatro aproxima ainda mais público e ator, e as luzes que se apagam e se acendem constantemente nos inserem na vida das personagens. Não é à toa que em três dias de apresentação na capital, houve quem repetisse a dose. E quem repetisse a emoção.

A comoção é inevitável. De forma didática, mas repleta de sentimento, a vida real de seres humanos, não tratados como tal, percorre o espectador. Assim como há crime no longo asfalto da estrada de Tony, com as travestis não é diferente. A contabilidade de assassinatos se perde de vista.

O coletivo artístico “As Travestidas” surge em 2008, formado por colegas das artes cênicas do Instituto Federal do Ceará. Atores que tinham o interesse de se travestir e fazer shows de transformismo, sobretudo, com o objetivo de trabalhar com as questões do universo trans, usando a arte como instrumento de transformação social. Antes da formação do grupo, o tema já fazia parte do trabalho de Silvero Pereira. Inspirado no conto “A dama da noite” de Caio Fernando Abreu, Silvero criou o espetáculo “Flor de dama” que retrata o cotidiano das travestis de sua comunidade: à noite procuradas pelos clientes, e durante o dia hostilizadas pelos mesmos. Já o BrTrans é um retorno do que o ator tem feito no Ceará nos últimos 12 anos. Depois de ganhar uma bolsa do Ministério da Cultura para trabalhar em outra região, ele começou as pesquisas em Porto Alegre em parceria com a ONG Somos, uma importante organização de cultura LGBT da capital. Inclusive os trabalhos realizados na ala destinada às travestis e transexuais do presídio. E um dos pontos altos da peça está aqui. A história de Babi, presa no Central, penitenciária vizinha à casa de sua família.



“Joga pedra na Babi!
Joga bosta na Babi!
Ela é feita pra apanhar!
Ela é boa de cuspir!
Ela dá pra qualquer um!
Maldita Babi!”



Em entrevistas, Silvero Pereira vem manifestando a grande receptividade que o público vem dando. E até a mudança na consciência das pessoas. E acredito. Pois o projeto é o tipo de arte que deveria estar nas universidades, nas escolas, nas comunidades, enfim. Talvez esse seja o único defeito de BrTrans, em meio a um público majoritariamente de gays e simpatizantes, ainda não ocupou todos os espaços necessários. Que volte a Porto Alegre! Não me cansarei de aplaudir.

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