17 de set. de 2013

Filmagens líquidas

Por Luna Mendes 

Foto: Divulgação
Imagens desfocadas, desconexas, granuladas, música, som ambiente, murmúrios, conversas, olhos, cabeças, objetos misturados e de repente Jards. Lançado nacionalmente em 21 de junho, o filme vai na contramão da padronização cinematográfica. Sem comentários, sem depoimentos, sem rememorações, apenas um ir e vir de imagens, músicas e falas soltas, um filme liquído. Dirigido por Eryk Rocha - que tem como herança genética nada menos do que ser filho de Glauber Rocha - o documentário esbanja poesia em cenas muito bem trabalhadas esteticamente, com uma narrativa não linear e bastante musical.





Somos transportados lentamente ao estúdio de Jards Macalé, a câmera nos aproxima e mostra detalhes que mesmo que ali estivéssemos não veríamos com tamanha definição. O tom é intimista, Jards, sem sobrenome, sem apresentações. Com o plano aproximado vemos a barba por fazer, fio a fio, a boca, o cabelo, o diretor consegue transportar o espectador para um momento a dois com Jards. A utilização do superclose é repetida muitas vezes, enxergamos com nitidez os dentes, os poros, os olhos. A aproximação mostra partes, mas nem sempre mostra o todo, não identificamos pela imagem alguns dos convidados que participam das gravações com Macalé, só o que fica em evidência é a voz, o filme instiga a audição como maneira de identificar quem ali está.

Com duração de cerca de 90 minutos, o filme foge das narrativas tradicionais de documentários musicais, Jards não dá depoimentos, não faz recordações saudosistas e tampouco uma análise do seu papel enquanto músico, típicas desse modelo de filme. Jards simplesmente está ali fazendo o que sabe melhor: cantar. A câmera o acompanha em casa, dando um mergulho na piscina, fumando um cigarro. Assim como a música o silêncio e o som ambiente também fazem parte do filme, no estúdio escutamos o som abafado de Jards conversando com outras pessoas e o que ele diz não fica claro e tampouco importa, estamos ali para ouvi-lo cantar. A música é o fundamental. O filme por vezes parece ser um making off do disco homônimo que foi gravado e lançado em 2011 e isso não deixa de ser verdade, o recurso dos bastidores é utilizado como ferramenta de aproximação com o espctador. Nos bastidores da gravação junto com Jards temos Adriana Calcanhoto rindo e também chorando, a negra melodia de Luís, e várias outras parcerias que revisitam os clássicos desse músico.

As cenas recebem uma edição de arte, algumas são distorcidas, outras são feitas em pb, imagens sobrepostas, granulações. Em meio a esse acompanhamento de Jards são intercaladas filmagens antigas em super 8 feitas pelo próprio músico, nos deparamos com um Jards mais novo, outro cenário, outros personagens é uma restauração do passado sem a necessidade de uma fala para o evocar. Nos transportamos para o passado de Jards e voltamos. No entanto a estética do filme não dialoga tanto com a obra do músico, a poesia da música de Jards não é marcada pela abstração que o filme tenta colocar, pelo contrário, as canções de Jards são de uma poesia cotidiana, são claras e limpas. O oposto das imagens cheias de ruídos e de dificíl interpretação. Mas a contradição é interessante, transporta para além da representação imagética e propõe uma experiência auditiva e visual que de certa forma se complementam.

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