17 de set. de 2013

Dedicação aos livros

Imagem interna da livraria Bamboletras (Crédito: Divulgação)
Por Júlia Corrêa da Rocha

Como as pequenas livrarias fazem para sobreviver em meio às transformações no mercado livreiro 


- “Quais são as livrarias pequenas de Porto Alegre?”
- “Tem a Palavraria, a Bamboletras, a Palmarinca...Ah, a Nobel fechou, é?
- “O Botequim das Letras também não durou muito, né?”






Mais ou menos assim foi a conversa que me fez perceber o quanto Porto Alegre vem carecendo de livrarias de calçada. Sem contar os sebos e papelarias, restam poucas opções para os porto-alegrenses interagirem com os livros. Não se trata apenas de consumi-los, mas de realizar a compra em um ambiente mais aconchegante e intimista do que nos shoppings que abrigam as grandes livrarias.

Restaurante, loja de roupa, cinema e livraria: tudo em um só lugar. A facilidade e a segurança que os shoppings oferecem são inegáveis. Contudo, assim vai se perdendo o costume de frequentar a rua, explorar e valorizar a cidade. De fato, os hábitos estão mudando. E, no que diz respeito aos livros, nem se fala. Sendo assim, o que motiva alguém a manter uma livraria pequena em tempos incertos como esses?


Rotina adversa 

“Trabalhar com livro é não querer apenas dinheiro, é querer dar toda uma significância para as nossas vidas”, afirma Lu Vilela, proprietária da Bamboletras. Para Carla Osório, sócia da Palavraria, a resposta é simples: “eu não saberia fazer outra coisa”. A localização das duas livrarias ajuda. A Cidade Baixa e o Bom Fim ainda são bairros que mantêm um público cativo a lugares como esses.

Mesmo assim, é difícil conviver com a concorrência. Na hora da encomenda, a prioridade da distribuição costuma ser para as grandes livrarias. Para o Natal passado, a Bamboletras quis se organizar com antecedência, fez as encomendas em setembro, mas os livros chegaram em cima da hora, pelo dia 20 de dezembro. “Muitos clientes cancelaram a reserva, pois já haviam conseguido em outro lugar”, conta Lu. 

Essa é apenas uma das dificuldades. Com o lançamento de “Toda a Poesia” de Paulo Leminski, por exemplo, ficou difícil explicar porque não dava o mesmo desconto de 20% oferecido pela Cultura e pela Saraiva. O problema, segundo Lu, é que, em função da demanda elevada das livrarias grandes, a editora acaba fazendo um melhor orçamento para elas, ou seja, o desconto é dado pela editora e não pela loja; uma livraria como a Bamboletras só poderia fazer a mesma oferta tirando dinheiro do próprio bolso.


Atendimento personalizado é o diferencial 

Carla Osório, sócia da Palavraria (Crédito: Júlia Corrêa)
Na competição com as megastores e com a internet, a saída é apostar no atendimento personalizado. As relações pessoais que surgem nesses espaços são seu ponto forte. Tanto Lu quanto Carla assumem não ter nada mais gratificante do que o retorno dos clientes após a indicação de um livro. Normalmente, elas já os conhecem bem e possuem certa intimidade, a ponto de saber as preferências de cada um.

Para Carla, uma livraria pequena como a sua é um mundo aberto cotidianamente, onde circulam pessoas que não vão apenas em busca do livro, mas também da conversa, da troca de ideias e, no caso da Palavraria, do seu famoso café. A agenda da casa é cheia: conta com diversas atividades, como saraus, bate-papos, oficinas e lançamentos, que preservam o público fiel e atraem novos visitantes. Além disso, a Palavraria é frequentada por diversos escritores locais, o que permite a quem passa por ali uma boa compreensão do contexto artístico da cidade.

O maior marketing das duas livrarias é o boca a boca, mas elas investem também em outras estratégias. A Palavraria está presente nas redes sociais, mantém um blog onde divulga suas atividades e apoia eventos como a FestiPoa Literária. A Bamboletras, além da newsletter enviada para os clientes, aposta no que Lu chama de “mídia subliminar”: é ponto de venda de ingressos para shows e mantém, há 10 anos, parceria com a FM Cultura, disponibilizando seus CDs para os programas da rádio.


O prazer compensa

Durante a conversa com Lu, contei que o BNDES aprovou, recentemente, um financiamento de R$ 28 milhões para a expansão da Livraria Cultura. “Confirmaram então? Eles não têm ideia do que estão fazendo, isso é uma praga que vai acabar com as livrarias pequenas”, lamentou. Em 2010, o Ministério da Cultura chegou a lançar um edital que contemplaria as livrarias pequenas, mas que foi muito tímido e de pouco alcance, segundo Lu.

Bem diferente da França, onde o Ministério da Cultura age com vigor para manter de pé aquilo que passou a ser considerado patrimônio cultural. Enquanto livreiros de outros países europeus têm visto com frequência suas livrarias quebrarem, os franceses recebem incentivos para mantê-las e inclusive abrirem novas: desde subsídios estatais até a cobrança de alugueis simbólicos.

As proprietárias compreendem o cenário de mudanças, contudo, afirmam não pensar tanto no futuro. Desde que possam continuar se sustentando, pretendem continuar no ramo. Lu é jornalista e Carla, advogada. Poderiam muito bem ganhar mais dinheiro se trabalhassem em suas áreas de formação, mas o que as motiva verdadeiramente é a paixão pelos livros.

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