Por Júlia Corrêa da Rocha
Mas esta não é uma noite normal, pelo menos ainda não. Ainda não é completamente certo que haverá um dia seguinte, pois Verónica não regressou da aula de desenho. Quando ela voltar, o romance acaba. Mas enquanto não volta o livro continua. O livro segue em frente até ela voltar ou até Julián ter certeza de que ela não voltará mais.
É essa a premissa que conduz a trama de A vida privada das árvores, segundo romance, recém-lançado no Brasil, do chileno Alejandro Zambra. Em 2011, o escritor foi eleito pela revista britânica Granta um dos 22 melhores escritores jovens de língua espanhola. No Brasil, Zambra ficou mais conhecido após sua participação na FLIP do ano passado.
Em A vida privada das árvores, acompanhamos a madrugada de reflexões do protagonista Julián à espera de sua esposa. Verónica está demorando mais do que o habitual para voltar de sua aula de desenho. Enquanto não chega, ele cuida da enteada, Daniela, de apenas oito anos, contando à menina uma série de histórias sobre árvores que inventou para fazê-la dormir.
É impossível falar de A vida privada das árvores sem evocar Bonsai, o primeiro romance do autor. A relação entre os livros não advém de uma mera interpretação, mas, sim, de aspectos destacados ao longo da narrativa. Nos dois romances, o leitor é avisado logo de início sobre o epílogo da história, o que já evidencia o modo com que Zambra conduz seus romances: com objetividade, descrições econômicas e exercício de metalinguagem.
Para além dos aspectos formais, encontram-se referências literárias, com personagens envolvidos, de maneira ou outra, com a literatura. E é aí que se encontra a relação mais escancarada entre as duas obras: o protagonista de A vida privada das árvores – escritor e professor universitário - escreveu um livro que, “se alguém lhe pedisse para resumir, provavelmente responderia que se trata de um homem jovem que se dedica a cuidar de um bonsai”. É um enredo conhecido para quem leu o primeiro livro de Zambra. Além disso, foi por um erro de registro que Julián não se chamou Julio, nome do protagonista de Bonsai.
Enquanto tenta controlar a aflição da espera pela esposa, Julián rememora fatos de sua vida e projeta o futuro da enteada caso Verónica não retorne. “O futuro é a história de Daniela”, e essa história é detalhadamente imaginada por Julián, o que origina a inserção de uma nova narrativa dentro daquela contada por Zambra. Esse processo metanarrativo torna a literatura protagonista impessoal de A vida privada das árvores. O leitor já conhece o final da história e, assim, as expectativas que se dirigiriam para desvendá-lo acabam concentrando-se no enredo nascido das reflexões de Julián. São nesses devaneios que percebemos o vazio do protagonista, que tenta disfarçá-lo buscando encontrar alguma ordem para sua existência.
Se em Bonsai, a planta simboliza a relação amorosa do casal de jovens, a metáfora em A vida privada das árvores é sobre a passividade da vida de Julián. As árvores presentes nas histórias contadas à enteada – um álamo e um baobá que conversam sobre as vantagens de serem “estúpidos pedaços de cimento” – representam a inércia na espera pela mulher e a falta de perspectivas para seu futuro.
Título: A Vida Privada das Árvores
Autor: Alejandro Zambra
Editora: Cosac Naify
Ano de lançamento: 2013
Nº de páginas: 93
Valor médio: 27 reais

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