19 de dez. de 2011

The Marriage Plot

Por André Araujo

O ano de 2011 viu nascer o mais recente livro de Jeffrey Eugenides, “The Marriage Plot”. Altamente antecipado desde sua última obra, Middlesex, que lhe rendeu um prêmio Pulitzer, o novo romance de Eugenides chama para si a tarefa de investigar os rumos, as origens e as implicações da literatura (e mais especificamente o romance) nesse início de século que para muitos já não mais conta com a arte literária como uma de suas aliadas. O autor se tornou uma das grandes vozes da literatura norte-americana com seu primeiro livro, “As Virgens Suicidas”, de 1993, um sucesso incontestável de crítica, que caiu nas graças do público quando foi adaptado para o cinema por Sofia Coppola. O livro, de cunho experimental mas fortemente influenciado pela cultura pop, se tornou uma das pedras de toque para o que veio a se chamar ao longo das últimas duas décadas de literatura contemporânea. Em “The Marriage Plot”, Eugenides faz uma reflexão acerca dessa mesma geração de autores e tenta, historicamente, resgatar os elementos que podem ter originado uma certa unidade estética, intelectual, social e individual para o surgimento desse grupo e, consequentemente, o lugar que a literatura ocupa hoje em dia através da ótica do próprio cenário em que se inclui.


Jeffrey Eugenides se insere num contexto literário norte-americano responsável por inaugurar, como dito anteriormente, uma espécie de literatura contemporânea ao lado de autores renomados como Jonathan Franzen (cujo mais recente romance “Freedom” foi dito ser o mais brilhante do século XXI), Zadie Smith (“White Theeth”, “On Beauty”) e David Foster Wallace (“Infinite Jest”). Esses autores, que começaram a publicar no fim dos anos 80, tomaram para si o fardo de se tornarem a nova geração da literatura norte-americana, substituindo autores como Thomas Pynchon, Don DeLilo e Kurt Vonnegut como os detentores do Zeitgeist literário do fim do século. Seus romances de estréia traziam inovações formais e de linguagem próprias da chamada “literatura pós-moderna”, seguindo os passos da teoria francesa que dominava as universidadas americanas na época.

Não é novidade que as correntes franco-filosóficas sempre tiveram um impacto profundo na literatura dos Estados Unidos, desde o Iluminismo político centrado no indivíduo de Rousseau que fez surgir os grandes poetas contestadores do povo americano, como Walt Whitman e Henry David Thoreau, ao Existencialismo, verdadeiro pai do movimento Beatnik e de grande parte da literatura romanesca americana da primeira metade do século XX. Quando Derrida chega portando debaixo do braço a sua explosiva teoria da Desconstrução na Universidade Johns Hopkins em 1966, os EUA lhe deram o lar intelectual que a França até então o havia negado. A figura do professor de literatura Paul de Man, que amansou a teoria de Derrida como uma forma de interpretação, se tornou a principal fonte de ideias críticas a respeito da literatura, atualizando a “Nova Crítica” que nessa época já caducava.

Essa geração de escritores foi a primeira geração de classe média a invadir massivamente as universidades norte-americanas no início dos anos 80 e, quando chegaram, era esse o contexto de pensamento: uma teoria radical que contradizia todas as verdades metafísicas e um cânone de autores que haviam travestido a língua à sua exaustão. O reflexo desse cenário está impresso nos seus primeiros romances, especialmente em “Infinite Jest”, de David Foster Wallace, um experimento Pop-Vanguardista que cristaliza todo hermetismo fruto de uma formação altamente erudita que, ao mesmo tempo, estava sedenta por comunicação.

O livro de Eugenides nos joga para dentro de todo esse contexto através de sua narrativa. A história se passa na Universidade Brown (uma das mais respeitadas dos EUA, da chamada Ivy League) em 1982 e acompanha três personagens que mimetizam todas essas tensões intelectuais. A obra de Eugenides pode ser tratada como um pós-romance de formação, pois investiga não apenas o desenvolvimento de um personagem através de uma fase característica de sua vida, mas faz uma narrativa que desenvolve a formação de uma corrente literária. Madeleine, a personagem central, Mitchell e Leonard são estudantes de Letras que se encontram sob a égide de um pensamento que prega a morte do autor ao mesmo tempo em que os personagens tem a vontade de efetivamente tornar-se um. É a partir desse contexto intelectual que Eugenides vai esboçar, do seu ponto de vista, como que uma geração toma forma e os modos pelos quais ela se tornou o que é.

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Segundo o próprio autor, a história de The Marriage Plot tem como um de seus principais temas a influência que os livros exercem sobre a vida cotidiana de seus leitores. A investigação psicológica de sua obra ocorre, nesse sentido, quando explora em cada um dos três personagens de que forma suas personalidades são construídas por suas leituras. Por serem estudantes de letras, a relação simbiótica entre literatura e vida acaba se tornando muito mais estreita. Madeleine é uma completa aficcionada pelos romances da era vitoriana, como aqueles escritos por Jane Austen: a ideia de um amor idealista, capaz de superar qualquer barreira, característica desses romances, se torna um traço central da personalidade dela, apesar disso ser construído de maneira sutil e sem escancarar a relação, o que poderia resultar num clichê. Mas Madeleine sofre um colapso sentimental ao longo do livro que pode ser resultado da ação narrativa ou também da influência dos autores pós-estruturalistas os quais ela começa a ler; especificamente o livro “Fragmentos de um discurso amoroso”, de Roland Barthes, que problematiza profundamente o conceito de amor romântico até não sobrar mais nada. A personagem, em frangalhos por sua situação amorosa, se agarra ao livro de Barthes como forma de combater sua dor, ao mesmo tempo em que é o próprio livro que causa o seu verdadeiro colapso e a sua descrença no futuro da relação. “Os problemas amorosos de Madeleine começaram quando sua própria noção de amor foi desconstruída pela teoria francesa que ela estava lendo”, escreve Eugenides numa passagem escondida e deslocada da narrativa, a qual carrega em si a própria chave do romance.

Já Mitchell, o mais próximo amigo de Madeleine que está afastado por questões estritamente platônicas, descobre sua vocação por acaso. Se inscreve numa aula de Estudos Religiosos por questões de horário e quando recebe uma aprovação efusiva de seu professor em relação a um trabalho embarca numa jornada espiritual interior que vai desembocar numa viagem à Índia. Mitchell jamais tinha pensado em questões religiosas efetivamente - nem mesmo ao longo da disciplina; só quando recebe o apoio do professor que mergulha profundamente na sua própria espiritualidade, através da literatura que o acompanha. Inclusive, em momentos dos mais inspirados do romance, Eugenides transporta para a ação narrativa uma série de coincidências das mais comuns mas que aos poucos vão tomando um caráter verdadeiramente místico para os olhos de Mitchell, e, no fim, até mesmo do próprio leitor.

E finalmente Leonard, o personagem mais interessante do triângulo. Leonard é bipolar, no sentido FORTE da palavra e também um gênio. Ele e Madeleine começam a namorar após se conhecerem numa aula de semiótica (Leonard na verdade faz biologia; estuda filosofia como hobby). Sendo a personificação do próprio método Derridiano, Leonard é uma bomba que não deixa nenhum convicção garantida, tudo o que toca se torna incerto e as verdades não mais se sustentam. A única coisa que não consegue combater com seu intelecto é sua própria doença. Num dos momentos mais brilhantes do livro, que até então seguia num ritmo leve e até mesmo agradável de sitcom norte-americano, Eugenides desloca o ponto de vista para Leonard e nos mostra em detalhes todo o tormento de sua condição que até então não fazíamos ideia. A descrição em minúcia do processo em que Leonard vai da mania para a depressão é laborosamente construído em cada frase, onde na parte maníaca entramos em fluxos de consciência com insights primorosos, que se desnvolvem por páginas e páginas até caírmos na fase de depressão, onde a narrativa rompe o caráter linear e parece estar batalhando por sua própria existência, do mesmo modo como Leonard . Ele é o único que não sofre uma influência direta da literatura, pois sua mente já está ocupada com o que irá efetivamente definir a sua vida.

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“The Marriage Plot” é um livro sobre a arte do romance em seus suspiros finais. O próprio título faz referência a uma teoria que versa sobre o enredo dos primeiros romances, que tinham como base da trama a questão do casamento. As histórias necessitavam de um gancho que desse conta da ação, da reflexão e da situação geral dos personagens envolvidos em um cenário que mudaria suas vidas em nível pessoal e social. No século XIX, a única instituição capaz de prover “assunto” para tudo isso era o casamento. De acordo com um dos personagens do livro, o romance só existe por causa da “trama do casamento”, e, com o fim dessa instituição nos moldes clássicos, tornando-se muito mais fluida e não-definitiva, a própria técnica romanesca deve sofrer mudanças também, ou enfrentar o seu próprio fim. Qual a solução para esse impasse? É o que Eugenides tenta resolver, escrevendo um romance quase tradicional mas enveredando por técnicas e temas que, não fugindo da narrativa tradicional, renova o formato e dá fôlego para a arte.

Apesar desse caráter tradicional do romance, onde a história consegue ser auto-suficiente e tem força o bastante para prender o leitor por suas mais de 500 páginas, um dos maiores prazeres de sua leitura se encontra na sua intertextualidade quase inesgotável. Em certo ponto, Leonard destaca que os livros não são sobre a vida real e sim sobre outros livros. Eugenides faz os dois: apresenta uma história que reflete verbalmente o que ele quer dizer mas também apresenta uma camada de significado que assume uma importância tão grande ou maior que essa mais aparente. E as portas de entrada são muitas para o exercício referencial, não limitando assim sua fruição por uma dada erudição ou escondendo referências.

Leitores acostumados com os romances clássicos irão reconhecer e entender os modos como Madeleine se coloca perante as situações e irão fazer a ponte automática de sua relação com esses próprios romances. Já os mais familiarizados com semiótica e pós-estruturalismo, terão horas de discussão a respeito dos jogos de linguagem que Eugenides propõe e as múltiplas saídas estruturais para a compreensão de longas passagens do romance. É como se o autor escrevesse sobre as próprias palavras de Barthes em seus textos críticos, mimetizando o estilo do escritor de forma magistral. Até mesmo os religiosos podem encontrar os meios para sua própria salvação na figura dos livros de Mitchell. E Leonard, sem dúvidas, é um prato cheio para qualquer estudante de psicanálise, de Freud à Lacan.

Ao final do romance pode ficar a pergunta se o romance de Eugenides traz em si alguma conclusão

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