6 de dez. de 2011

Gene Luen Yang e a alteridade

Por Vicente Prado Nogueira

A experiência de alguém pertencente a uma minoria é sempre uma experiência de alteridade: de ser tornado um “outro”. Melhor que nós? Inferior a nós? Inconsequente? Não importa: a experiência minoritária é uma de ostracismo e de – em seu sentido mais clínico, o de “perceber diferenças” – discriminação. É dessa experiência que trata a graphic novel O chinês americano, de Gene Luen Yang.

O livro retrata três histórias paralelas: a de Jin Wang, um garoto de descendência chinesa que, devido a sua etnia, só é capaz de formar vínculos afetivos em sua nova escola com outros colegas de famílias asiáticas; a de Danny, um estudante caucasiano que sente grande constrangimento quando seu primo – que aparenta incorporar todo e qualquer estereótipo chinês – vem visitá-lo; e a do Rei Macaco, personagem do folclore chinês, que se torna rebelde e agressivo após ser ostracizado pelas outras entidades divinas. Aparentemente desconexos, os contos convergem de modo peculiar no terceiro ato da narrativa.


O tríptico pintado por Luen Yang retrata diferentes questões envolvendo identidade, alteridade e inserção na esfera social. Embora o autor retrate a identidade como algo coletivo e inato – perpetuando, de certa forma, o status de “outro” dos personagens independente de seus desejos como indivíduos – ele também critica, por meio da narrativa, a aniquilação da cultura de origem por parte de pessoas de etnias minoritárias nos EUA em favor de uma imagem “aceitável” pelos padrões estéticos estadunidenses. O livro, devido a suas temáticas, suscita uma variedade de questionamentos a respeito do conceito de identidade – cultural e individual – e de aceitação de certos aspectos nossos que fogem ao nosso controle; respostas são parcas e implícitas, mas claras – quase didáticas.

Apesar de encontrar um “irmão de sangue”, etnicamente falando (ambos são asiáticos, mas de países diferentes), Jin Wang é incapaz de escapar de seu status como “fora do padrão”, um espectro que o persegue mesmo quando não é ativamente discriminado. Após ter as paixões da puberdade despertadas por uma estudante caucasiana, a etnia de Jin passa a ser um aspecto de si pelo qual sente uma repugnância extrema, invejando a invisibilidade étnica da maioria.

Danny não suporta a exuberância de Chin-Kee, seu primo, que parece ter escapado de um filme antigo – o parente é agressivamente saturado com traços estereotipados de chineses como retratados pela mídia americana de cem anos atrás, além de ser rude, lascivo e cômico. Não querendo ser associado com a caricatura de carne e osso que o persegue, Danny se sente humilhado e julgado silenciosamente por todos que o cercam, o que o leva a odiar o primo.

O Rei Macaco, após ser expulso de uma festa onde todos os deuses e espíritos se divertem, passa a ver sua identidade como algo inferior e indesejável – algo que limita seus direitos e o respeito que recebe de outras identidades mitológicas. Buscando reconhecimento e autonomia, o símio se torna obcecado pela busca pelo poder, até que apenas o criador de tudo o que existe pode desafiá-lo.

Há muito a ser explorado no romance. Jin sente asco por sua etnia ou por ser definido apenas por ela? Danny vê em Chin-Kee uma imagem com a qual não deseja se associar, um símbolo da opressão e da humilhação da etnia asiática pela branca ou um ícone da barreira cultural que gera o estranhamento? A tentativa de alterar sua identidade por parte do Rei Macaco é uma rejeição de seu “ser” ou da posição desprivilegiada que ocupa na sociedade do conto?

Permeado por um tom simultaneamente introspectivo e didático, O chinês americano leva o leitor astuto a pensar sobre os diferentes aspectos do que nos torna como somos. Luen Yang, misturando fábula e cotidiano, humor e solenidade, vê, além do ostracismo e do conformismo, um “outro” que é capaz de ser humano sem sacrificar a si mesmo no processo.

Título: O chinês americano
Autor: Gene Luen Yang
Editora: Quadrinhos na Cia
ISBN: 8535914498
Ano de lançamento: 2009
Nº de páginas: 240

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