6 de dez. de 2011

Terror clean

Produzido por M. Night Shyamalan, Devil acerta ao focar na história e trazer menos efeitos especiais

Por Daiane de David

Imagens divulgação

Ao contrário de muitos outros filmes de terror/suspense, cujos seres sobrenaturais e malignos aterrorizam os personagens principais por motivos não tão relevantes, Devil (2010) coloca nas ações humanas a responsabilidade por trazer o mal a Terra. “Porque as mentiras que nós contamos a nós mesmos é que nos apresentam a ele”, sentencia um dos personagens. Essa humanização do terror, associada a uma trama bem construída, faz com que a história capture a atenção da primeira à última cena e valha a pena ser vista.

Dirigido pelos iniciantes irmãos Dowdle, o filme tem roteiro de Brian Nelson (30 Dias de Noite) em parceria com o cineasta indiano M. Night Shyamalan (O Sexto Sentido e A Vila), que também assina a produção. O estilo deste último não passa despercebido aos fãs de seu trabalho. Religião, fé, reviravoltas surpreendentes e pessoas comuns vivendo situações extraordinárias são alguns de seus temas recorrentes, e que podem ser encontrados também em Devil.


Em meio a vários filmes que exageram nos efeitos especiais para compensar histórias rasas, como Arraste-me para o inferno (2009), Piranha 3D (2010) ou Premonição 5 (2011), esta produção traz um novo fôlego ao gênero, porque volta a explorar o drama psicológico dos personagens juntamente com as cenas feitas para causar medo. O cenário principal – um elevador parado no 23° andar de um arranha-céu – é perfeito para realçar os conflitos entre os protagonistas e revelar as vidas não tão corretas de cada um. O argumento do filme é extraído da lenda popular “A reunião do Diabo”, no qual este vem ao mundo na forma humana para punir e levar algumas almas pecadoras. O mistério está em saber qual das cinco pessoas presas no elevador é a entidade maligna.


Um dos méritos do roteiro de Nelson e Shyamalan está na sua construção fragmentada, que consegue manter o suspense durante quase todo o filme. O espectador é levado a duvidar do caráter de cada um dos protagonistas e a mudar de opinião com a mesma rapidez. Devil também explora com eficiência um dos medos mais primordiais do ser humano: o desconhecido. A escuridão que toma conta do elevador em vários momentos cega também a quem assiste: assim como os personagens, não temos como saber o que o acender de luzes revelará. Uma sacada simples, que causa mais impacto que seres monstruosos construídos artificialmente por computador.

A simbologia religiosa, sobretudo cristã, presente na trama poderia ter sido mais desenvolvida, assim como a personalidade dos personagens. Um exemplo é o segurança Ramirez (Jacob Vargas), responsável por introduzir a explicação sobrenatural na trama. Além da maioria de suas falas se basearem em histórias de origem desconhecida, o espectador não fica sabendo como ele adquiriu esse conhecimento. Quem é fã do trabalho de Shyamalan por conta de Sexto Sentido sente falta do aprofundamento das questões filosóficas levantadas em Devil: culpa, perdão, má conduta moral e ética, entre outras. Talvez esse não seja o objetivo de um filme feito, num primeiro momento, para entretenimento de grandes e variados públicos, mas é provável que o enriquecimento dos diálogos tivesse rendido menos estereótipos e um lugar mais destacado na história do terror cinematográfico.

Vale ressaltar a cena inicial, que lembra um pouco a de O Iluminado, de Kubrick, com a diferença de que a paisagem deste é uma região montanhosa e com poucos indícios da presença humana. Em Devil, a câmera faz um passeio aéreo pelos prédios enormes da cidade de Filadélfia, EUA, enquanto a trilha sonora se descola dessa tranquilidade urbana e acrescenta tensão ao trecho. O recurso da imagem invertida cria o estranhamento e funciona como uma metáfora da chegada do mal.

Para quem gostar de Devil, uma boa notícia: a produção é a primeira parte do projeto de Shyamalan intitulado The Night Chronicles, uma trilogia de filmes que abordam o sobrenatural. O segundo, com direção de Daniel Stamm (O Último Exorcismo), já está sendo produzido e se chamará Reincarnate. Se seguir na mesma linha, tem tudo para ser outro bom filme.

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