12 de ago. de 2011

Um clássico chamado Zelda

Crítica The Legend of Zelda Ocarina of Time, game para Nintendo 64, de 1998.

Por Rafael Gloria

É difícil expressar com palavras a dificuldade que é escrever um texto sobre a série Zelda, mais especificamente o jogo The Legend of Zelda Ocarina of Time lançado em 1998 para o console Nintendo 64. Difícil porque se trata de um fenômeno dos videogames considerado como o melhor jogo do século – do século passado, pelo menos – pelas publicações mais respeitadas mundialmente na área. Traçando parâmetros The Legend of Zelda Ocarina of Time tem a mesma importância para o videogame que, por exemplo, Cidadão Kane teve para o cinema – por ser um modelo de referência. Ou, para ficar no Brasil, por que não compará-lo a um livro da segunda fase do Machado de Assis? Se lembra? Quando ele deixou de escrever romances mais simples como A Mão e a Luva ou Ressurreição, e passou a explorar a complexidade psicológica e a originalidade narrativa em um livro fantástico como Memórias Póstumas de Brás Cubas.

A tela de abertura do jogo Zelda Ocarina of Time/ Divulgação Nintendo of America
Compreenda, caro leitor, não estou aqui comparando literatura e cinema com videogames, até porque comparar mídias tão diferentes não tem o mínimo sentido. O que estou tentando fazer é mostrar o grau de relevância que há nesse jogo da série Zelda e o seu impacto na industria dos videogames, assim como Memórias Póstumas de Brás Cubas e Cidadão Kane obtiveram na literatura e no cinema, respectivamente. Se por um lado há Machado de Assis e Orson Welles, aqui há o japonês Shigeru Miyamoto, o gamedesigner criador da série e também de outras franquias que você já deve ter ouvido falar – mesmo que não conheça muito sobre o mundo dos games – tais como Super Mario, Donkey Kong, Star Fox, entre outros. Para além da técnica, como qualquer escritor, ou cineasta, um gamedesigner vai buscar suas inspirações em lembranças no que leu, viu ou viveu. A principal referência de Miyamoto na série Zelda foi sua infância na cidade de Sonobe, na província de Kyoto no Japão, em que empreendia explorações em áreas próximas de sua região e também a cavernas – o que acabou sendo uma forte influência na criação dos labirintos e fases da série, que pode ser classificada como jogo de exploração/aventura. Para compor esse universo, ele também se apoiou nos mitos nórdicos e japoneses.

Mas o que faz de The Legend of Zelda Ocarina of Time, o quinto jogo da série que se iniciou em 1986, um jogo tão memorável? Ocarina of Time foi uma reinvenção, além de termos narrativos, do universo dimensional em que habitava, uma vez que faz com maestria a passagem do ambiente 2D para o ambiente 3D. Até então, os videogames não tinham capacidade de processar a terceira dimensão, e todos os jogos eram “retos”, sem profundidade. Com o advento de maior tecnologia, em 1996, videogames como Nintendo 64 da Nintendo e o Playstation da Sony já proporcionavam essa espécie de gráficos. Logo, as regras visuais das versões 2D – como a proporção entre os personagens e os baús de tesouros – teriam que ser reformuladas perfeitamente no jogo em 3D. Talvez por toda essa mudança estética para um nível superior, o jogo tenha demorado cerca de três anos em sua produção. Zelda Ocarina of Time não é o primeiro jogo em 3D, mas aqui deu tão certo que as fórmulas moldadas de jogabilidade, como o modo de mirar no inimigo em um momento de ação, pulos automáticos e uma infinidade de movimentos tornaram-se padrões dentro da série e também fora dela, devido a influência que exerceu em outros jogos do mesmo gênero.

Zelda A Link To The Past ainda em 2D para o console Super Nintendo e a passagem para o 3D em Zelda Ocarina of Time do Nintendo 64/ Divulgação Nintendo of America

Com uma capacidade gráfica maior, graças ao poder do hardware do console, a atmosfera de realidade do jogo e, conseqüentemente, a imersão do jogador aumentou. Ficou mais fácil de assimilar a excelente lenda que dá nome ao jogo, a lenda de Zelda. E como toda lenda, essa também é uma narrativa que será contada oralmente dentro da série para futuras gerações (fato que se pode confirmar em jogos posteriores). Logo é possível que Zelda Ocarina Of Time, apesar de ser o quinto produzido, seja cronologicamente o primeiro Zelda, fundador da lenda.

A história do game de 1998 explora a relação dos três personagens principais: o herói Link (“elo” em inglês), a princesa Zelda (nome que Miyamoto roubou da esposa do escritor americano F. Scott Fitzgerald) e o antagonista da série, o vilão Ganandorf. O enredo pode parecer simples, mas só parece: Link, o predestinado para defender o reino de Hyrule, parte para uma grande jornada a fim de salvar o reino da Princesa Zelda das mãos de Ganon. É possível observar identificações com a ideia da Jornada do Herói elaborada pelo autor estadounidense, Joseph Campbell, com o game – guardada as devidas proporções. Link é o herói escolhido e que foi chamado para essa aventura, não parte dele essa vontade - seu personagem nem fala durante o jogo. É importante frisar que isso acontece devido a uma qualidade que só os games podem oferecer: interatividade. Link, apesar de ser um personagem, também está nos representando, isto é, nós controlamos as suas ações. A não fala dele infere na nossa própria fala, a narrativa dos games é complementada pela nossa imaginação do que se vê na tela.

Link, ainda pequeno, se dá de cara com o seu pior inimigo/ Divulgação Nintendo of America

Há, sim, algumas semelhanças com os 12 estágios da jornada do herói ((http://confudido.blogspot.com/2011/04/jornada-do-heroi.html), conceito que aparece na obra de Campbell por qual um herói, em tese, sempre atravessa para chegar ao seu destino. Gostaria de aqui explorar dois estágios: O Encontro com o Mentor e O Cruzamento do Primeiro Portal. Na primeira, diferenciando-se da literatura, ou do cinema, no jogo Ocarina of Time não há um personagem mentor que treina o protagonista, há sim quem o leva a fazer determinada ações, que o chama para a aventura – na figura da grande árvore Deku e também no do misterioso Sheik. Entretanto, o mentor pode ser interpretado como o próprio jogador, uma vez que é ele quem aceita o chamado e controla o protagonista até conseguir o seu objetivo. De certa maneira, somos nós que treinamos o personagem, e também aprendemos com ele. Nisso, Zelda Ocarina of Time é um dos pioneiros: tratar tão profundamente a relação entre personagem e jogador. Muito devido a maior imersão que um universo 3D proporciona e do fato que Zelda criou esse cenário mais realista com maestria. Fora isso, nos sentimos incentivados com os propósitos de Link, devido ao forte envolvimento da história e porque ele aparenta estar só nessa jornada, e precisar da nossa ajuda.

O segundo ponto trata-se do grande achado narrativo do jogo: Link, ao invés de abandonar o mundo comum para entrar em um mundo mágico, viaja sete anos a frente do seu tempo. Isso acontece porque, como criança, quando começa a primeira parte do jogo, ele não teria capacidade de derrotar o antagonista. Não é outro mundo, mas é como se fosse: o cenário torna-se irreconhecível, Hyrule agora se encontra devastada por Ganon, com Zelda raptada pelo vilão. Existe algum outro jogo que aconteça em um mundo que você já falhou em salvar? O interessante também é notar as diferenças entre o Link jovem e o Link adulto, devido à reação de personagens que falam e agem diferentemente com o protagonista, dependendo da idade. Pode-se dizer que a passagem do tempo é o fator mais importante e o porquê do jogo existir. Observar Hyrule destruída, um mundo dominado pela escuridão, em contraste com a bonita e serena Hyrule de sete anos atrás é revoltante não só para o personagem, mas também para quem o controla. E Ocarina of Time joga bem com esse dilema, lembrando sempre como é belo e interessante o mundo que você tem que salvar.

LinK, já dez anos mais velho, enfrenta inimigos/ Divulgação Nintendo of America

Em novembro de 2011, Legend Of Zelda Ocarina of Time completa 13 anos, ainda sendo apontado como um dos melhores jogos já lançados. Mais do que isso, o reconhecimento por parte da nova geração de gamers e de crítica de jogos mostra que ele envelheceu bem. Ocarina elevou o patamar da série para um outro nível, influenciando todos os jogos do gênero que vieram adiante. A série Zelda é formada por grandes epopeias, e Ocarina Of Time pode não ser mais a maior ou a mais bonita, mas continua sendo a melhor de todas.

A música é um fator importante em Ocarina Of Time/ Divulgação/ Nintendo of America

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