26 de jul. de 2011

O primeiro livro de George Orwell

Por Paula Vieira

É possível alguém retratar um grupo de pessoas de uma classe social diferente da sua sem ter convivido diretamente com esses indivíduos? Sim, mas é bem provável que o texto seja pobre no que diz respeito à descrição dos aspectos culturais e comportamentais, mas rico em preconceitos. O primeiro olhar que lançamos sobre algo é sempre carregado das impressões deixadas por experiências anteriores e pela nossa bagagem cultural. Se não sentimos na própria pele as consequências da rotina de um lavador de pratos, dificilmente conseguiremos dizer com propriedade como o calor de uma cozinha mal ventilada aliado a uma carga horária abusiva, um baixo salário e uma moradia imunda e sem conforto são capazes de influenciar o caráter desse sujeito.

George Orwell/Arte de Paula Vieira


Decidido a se tornar escritor, George Orwell abandonou, em 1927, seu cargo na Polícia Imperial Indiana, a qual servia na Birmânia (antiga colônia britânica e atual Myanmar), e, na primavera de 1928, mudou-se para Paris com o objetivo de aprender francês e redigir seu livro. O romance, assim como outros, foi escrito, recusado por diversas editoras e jogado fora. No entanto, o que o, na época, jovem de 26 anos não sabia era que o seu “insucesso” e as situações que ele vivenciaria resultariam no início da sua carreira literária.


Down and Out in Paris and London (traduzido como Na Pior em Paris e Londres por Pedro Maia Soares em publicação lançada pela Companhia das Letras em 2006), foi a primeira obra de fato que Orwell conseguiu publicar (1933). Nela, o escritor relata a vida nada glamourosa de lavador de pratos (plongeur) que levou na Cidade Luz, após os quartos, incluindo o seu, da pensão em que estava hospedado serem roubados, e conta os dias de miséria vividos junto a mendigos de Londres quando ele retornou a capital inglesa motivado por uma oferta de emprego, que acabou não se concretizando.


George Orwell, cujo nome verdadeiro era Eric Arthur Blair, nasceu em uma família descrita por ele mesmo como de classe média - seu pai era inspetor de comércio de ópio na Índia. Mas, apesar de não pertencer à aristocracia, Blair possuía uma formação erudita – durante a infância e a adolescência ele estudou em duas escolas da elite britânica (St. Cyprian e Enton). Fato esse que não o impediu de demonstrar interesse pelos setores marginalizados da sociedade. Ele não concordava com a política de expansão britânica que mantinha domínios territorial, econômico e intelectual sobre a população indiana. E, inspirado pelo livro The Abysmal Brute (O Povo do Abismo) de Jack London, alguns meses antes de se mudar para Paris, ele alugou um quarto no East End, uma das zonas mais pobres de Londres, para observar o dia-a-dia dos explorados pelo sistema capitalista. No entanto, Orwell percebeu que atuar somente como olheiro não era suficiente para compreender aquelas pessoas, ele precisava fazer parte daquele universo.


Por essa razão e pelo fato do escritor ter atuado também como jornalista – ele cobriu a II Guerra Mundial para a BBC – algumas pessoas, ao lerem Down and Out, chegam à conclusão de que se trata de um dos primeiros exemplares escrito no estilo que anos depois viria a ser amplamente difundido pela obra de Hunter Thompson, o Jornalismo Gonzo. Enquanto estilo derivado do Jornalismo Literário - que combina recursos literários com a descrição e a apuração jornalísticas - o Gonzo consiste no fato do jornalista vivenciar intencionalmente uma situação para então poder descrevê-la em detalhes e, preferencialmente, na primeira pessoa. Porém, uma vez sem dinheiro, Orwell precisava sobreviver. Então, com a ajuda de um amigo, ele conseguiu um emprego em um restaurante de um hotel parisiense luxuoso, no qual lavava a louça e limpava o chão ao longo de uma jornada de trabalho de mais de 12 horas e pela qual recebia reles 500 francos. Ele não planejou trabalhar em estabelecimento como esse para saber como funcionavam os bastidores da vida ostentada pelos remanescentes da Belle Époque. Contudo, o seu texto autobiográfico beira o Livro-Reportagem.


George Orwell por Vernon Richards Estate/Arte de Paula Vieira

Ofuscado pelo sucesso de 1984 e de Animal Farm (A Revolução dos Bichos), clássicos escritos na década de 1940 pelo autor, Na pior em Paris e Londres merece igual reconhecimento. De essência naturalista, o livro representa o principio do estilo literário de George Orwell – uma narrativa altamente politizada que questiona o comportamento humano levando em consideração as condições sob as quais ele vive e como o governo atua sobre a sociedade. O humor também é um ponto forte da obra, como quando o escritor descreve as condições de higiene que envolvia o preparo de um bife em um restaurante chique. Mas, o que torna o livro tão interessante é a honestidade com a qual o Orwell expõe as situações vivenciadas sem esconder deixando claro porque o seu ponto de vista antes de depois das experiências tornou-se diferente.

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